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Há dilemas na política difíceis de serem resolvidos pelo simples fato de que não há um lado certo e outro errado. E quando saímos a favor de uma idéia ou de outra, nos utilizamos de uma série de argumentos e juízos de valor. A discussão a respeito da obrigatoriedade do voto passa por aí. Nessa comunicação, o meu objetivo é responder a questões como: Quando surgiu o voto obrigatório? Por que adotá-lo no Brasil? E ainda: quais são os argumentos contra e a favor? E, se me permitem, ao final me posicionarei em tal debate.

O voto obrigatório foi adotado a partir do código eleitoral de 1932 e inserido na Constituição de 1934. Ou seja, estávamos recém-saídos da Primeira República, marcada por um Brasil rural, em que o número de eleitores – dados os impedimentos legais e, sobretudo, a exclusão dos analfabetos – não superava 10% da população adulta. Assim a obrigatoriedade foi vista como uma maneira de garantir a legitimidade para o processo político, que se já contava com um número muito reduzido do eleitorado. Ademais a medida não veio isolada, mas em bloco, nesse momento foi criada também a Justiça Eleitoral, a fim de controlar a estrutura de fraudes da República Velha.

Cinqüenta e quatro anos se passaram, o Brasil se urbanizou e passou por diferentes experiências políticas, mas a despeito de todas as mudanças sociais, políticas e legais dessa trajetória, a Constituição de 1988 manteve a obrigatoriedade do voto, após muita discussão, sob a predominância do argumento de que, nesse aspecto, "o Estado é o tutor da consciência das pessoas, impondo sua vontade à vontade do cidadão até mesmo para obrigá-lo exercer sua cidadania (...)", como diz Paulo Henrique Soares, consultor legislativo do Senado Federal, em documento da Casa.

O debate sobre a obrigatoriedade do voto envolve pelos menos três pares de idéias divergentes. O primeiro se refere ao seguinte dilema: o voto deve ser visto como um direito ou um dever? Nesse caso, aqueles que se posicionam a favor do voto facultativo apostam que direito não é dever, portanto, o eleitor tem que ter a liberdade de decidir se vai participar ou não do leito. Já os defensores da obrigatoriedade do voto vêem o voto como um dever cívico. Por trás desse posicionamento, tem-se a percepção de que liberdades privadas não devem ser confundidas com liberdades públicas. Os antigos romanos consideravam que ser cidadão romano não envolvia apenas direito, mas também obrigação, não era possível prescindir nem de um e nem de outro na idealização da cidadania.

A segunda questão refere-se sobre a pertinência de obrigar eleitores nada mobilizados para a política e para o pleito a votarem. Para aqueles a favor do voto facultativo, o eleitor que não se mobiliza para a política tende a votar de maneira nada consciente. Ademais, ele é presa fácil do clientelismo, do "voto de cabresto". Desta forma, com a possível exclusão dos eleitores menos mobilizados e menos conscientes reduziria o número de votos baseados na aleatoriedade e, assim, poderíamos ter melhores candidatos eleitos. Para os adeptos do voto obrigatório, o exercício do voto é um fator de educação política do eleitor. Por detrás, tem-se o ditado inglês, segundo o qual, a prática leva à perfeição.

Em relação a um terceiro ponto, os adeptos do voto facultativo costumam lembrar que há uma tendência nas grandes nações do mundo – com sistemas democráticos reconhecidos – de se utilizar do voto facultativo. Já aqueles que defendem o voto obrigatório lembram que nos Estados Unidos, o número de abstenções é grande e ele é maior entre aqueles segmentos mais excluídos da sociedade como os negros, moradores de guetos e mães solteiras. E porque é de se esperar que aqueles que não têm voz – pois optaram por não manifestá-la – sejam injustamente preteridos em favor daqueles que têm, o caráter facultativo do voto pode levar a um ciclo vicioso de exclusão.

Por fim, ainda que entenda os argumentos a favor do voto facultativo, me posiciono a favor da obrigatoriedade do voto, não apenas devido aos argumentos já expostos acima, como também, por acreditar que hoje o eleitor que quiser se abster ou se rebelar contra a política tem mecanismos já institucionalizados para isso, votando branco ou nulo.

Luciana Fernandes Veiga é professora do Departamento de Ciências Sociais e do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da UFPR e pesquisadora colaboradora do Laboratório de Comunicação Política e Opinião Pública – Doxa/Iuperj.

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