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As boas intenções são insuficientes

A Câmara Municipal de Curitiba aprovou o projeto de lei ordinária denominado "Vizinhança Participativa". O instrumento jurídico pretende viabilizar a execução de obras públicas solicitadas pela comunidade ou pela municipalidade, com os custos compartilhados entre os proprietários de imóveis beneficiados e a administração da capital. A par de outras abordagens, merece atenção a análise dos sentidos de participação contidos no título do projeto, que são transversais à proposta.

Leia a opinião completa de Eduardo Faria Silva, doutor em Direito pela UFPR, é professor da Universidade Positivo e assessor jurídico do Senge-PR.

O princípio norte americano do win-win situation, que traduz a noção de gerar uma situação em que todos são beneficiados, ou de ganhar para todos, recebe todos os dias, no Brasil, interpretações tentando justificar situações que, a despeito de gerar benefícios reais para todos, são apenas expressões do jeitinho brasileiro de resolver problemas. O projeto de lei da "Vizinhança Participativa", muito embora tenha em sua concepção uma ideia salutar, de permitir que todos os cidadãos tenham acesso aos investimentos públicos necessários à sua vida digna (pavimentação, saneamento, dentre outros), em realidade nada mais faz do que instituir uma nova e ilegal forma de cobrança de tributo.

Explica-se: os investimentos necessários em infraestrutura pública e obras de melhorias devem ser realizados pelo poder público e o possível "aporte" dos beneficiários, quando for o caso, está previsto na Constituição como Contribuição de Melhoria. O projeto de lei da "Vizinhança Participativa" nada mais faz do que dar uma nova roupagem a esse tributo, agregando a ele um novo e mais agradável rótulo, porém, vinculando a população que deseja investimentos em sua região (de regra não previstos ou orçados pelo município) a pagar previamente por esta "antecipação".

O jeitinho brasileiro de permitir tais investimentos antecipados esbarra na própria legislação nacional, que é clara ao afirmar que só é possível a cobrança da Contribuição de Melhoria (com o novo apelido de "Vizinhança Participativa") diante da efetiva valorização do imóvel, o que torna ilegal a cobrança antecipada em razão de uma valorização que nem sequer pode ser mensurada ou auferida. Mas esta questão impeditiva é formalmente técnica; o que parece fundamental abordar é a inconstitucionalidade substancial (de conteúdo) do projeto.

Veja-se que os instrumentos orçamentários (LDO e LOA) servem justamente para direcionar os investimentos que serão realizados pelo poder público, cujos recursos advêm de inúmeros tributos já pagos e incutidos no dia a dia de cada cidadão. Isso quer dizer que o brasileiro, que paga uma das cargas tributárias mais altas do mundo, já remunera suficientemente o poder público para que realize as obras necessárias para toda a população.

O princípio da moralidade e da eficiência da administração não autorizam ao poder público que se utilize do argumento de insuficiência de recursos e limitação orçamentária para justificar, na maioria das vezes, a falta de planejamento e de controle na implementação de políticas públicas.

Em algumas cidades dos EUA, por exemplo, o cidadão recebe anualmente um formulário para indicar que políticas públicas são necessárias em sua região e, ao fim do ano seguinte, recebe um relatório (prestação de contas), demonstrando o atendimento de suas solicitações. Não se trata de ausência de recurso ou de previsão orçamentária, trata-se de planejamento e responsabilidade no gasto público.

Em algum momento o jeitinho brasileiro há de ser impedido, no caso da "Vizinhança Participativa", pela lei.

Rodrigo Pironti, advogado especializado em Direito Administrativo e de Infraestrutura, é professor da Universidade Positivo.

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