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A comunicação populista, seja ela de esquerda ou de direita, é aquela que estabelece uma relação direta e vigorosa com os seus súditos. Populistas transmitem as facetas inconscientes da alma nacional, assim como se colocam como os mestres e os peritos da obra política, que é o projeto de país. Vargas, por exemplo, nosso mais célebre representante, foi um arquiteto frio e pragmático do poder, mas alguém capaz de encantar as massas e criar um vínculo quase transcendental. Um mito que se personifica como ancião, pai: uma personificação do logos, pois sua palavra é a lei.
A obra Psicologia das massas e Análise do Eu, livro escrito originalmente no começo do século XX por Sigmund Freud, nos ajuda a compreender o fenômeno. O autor ensina que a quebra de laços sociais organizados e institucionalizados gera um pânico – diante do medo do fim das instituições, a pessoa troca um quinhão de liberdade por um quinhão de segurança, assim sendo, podendo ser livre, ela opta por adorar e idealizar o primeiro populista autoritário que surge em sua frente, o líder demagogo que promete dar segurança diante de tantas incertezas.
Os discursos de Milei, ora marcados por palavras de baixo calão, são feitos para incendiar a esfera pública e para entreter seus seguidores mais calorosos.
Outra explicação recai sobre a própria natureza da comunicação midiática contemporânea. Os algoritmos moldam a política e a sociedade; e os projetos de poder com mais visibilidade e engajamento nas redes são aqueles que, infelizmente, flertam com narrativas que se distanciam dos fatos, cultuam o personalismo, alimentam a tribalização de grupos distintos, tirando proveito da dinâmica de confrontos diretos, dos atos beligerantes e da fragmentação polarizada das discussões.
O autoproclamado “anarcocapitalista” Javier Milei, candidato à Presidência da Argentina, que como todo populista parece muito mais confortável com seus discursos filosóficos e performances teatrais do que com a aplicabilidade de suas propostas, usa a comunicação como principal aliada. Com um ar que remete muito mais a um intelectual excêntrico do que a um candidato ao Executivo, ele parece ter entendido o teatro da política atual; Javier entendeu a natureza do entretenimento e da estética na interação com o eleitor. Seu trabalho digital é forte e massivo: um único vídeo chega a ter perto de oito milhões de visualizações. E embora seu público não seja apenas composto por jovens, o candidato da coalizão “A Liberdade Avança” entendeu algo que muito políticos parecem ignorar: a geração Z não está interessada na política formal, partidária, dura. É preciso falar com esse público das formas mais idiossincráticas, até mesmo divertidas, sem tentar impor ideologias fixas, pré-moldadas.
Os discursos de Milei, ora marcados por palavras de baixo calão, são feitos para incendiar a esfera pública e para entreter seus seguidores mais calorosos. Além de deslegitimar o sistema político da Argentina, trazer dúvidas ao eleitor e criar desconformidade social, o candidato recentemente chamou o papa Francisco, que é argentino, de “representante do demônio”, por “incentivar o comunismo”. Em outra oportunidade, xingou visceralmente o prefeito de Buenos Aires.
As bases do populismo ainda são a mesmas, mas Javier Milei parece disposto a levá-las para um outro nível. O sinal de alerta na América do Sul deve ser ligado.
Gabriel Rossi é sociólogo, pesquisador e coordenador do Master em Comunicação Política e Sociedade da ESPM.
Conteúdo editado por: Jocelaine Santos