Não quero discutir as motivações da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) para emitir a nota sobre a PEC 55 (ex-241), atualmente em discussão no Congresso. Essa PEC trata da limitação dos gastos públicos, o que parece estar acima de questões ideológicas por ser uma medida necessária. Ninguém discute que se deve cortar gastos quando não se tem mais condições de pagar por eles. A única exceção é quando não se pretende pagar a conta. Quando o objetivo é gastar para depois não pagar, então que se gaste sem freio. Mas não quero crer que a CNBB esteja propondo isto – afinal, o Evangelho é claro: “Dai a César o que é de César”.
Segundo a CNBB, a PEC do Teto supostamente “beneficia os detentores do capital financeiro, quando não coloca teto para o pagamento de juros, não taxa grandes fortunas e não propõe auditar a dívida pública”. Imagino que os autores da nota não querem dizer para não pagar juros acima de determinado teto – o que poderia configurar calote –, mas estejam falando de estabelecer metas também para os juros, com objetivos claros e prazos para se atingir redução factível para as despesas decorrentes das dívidas já contraídas e que precisam ser renovadas.
Ninguém discute que se deve cortar gastos quando não se tem mais condições de pagar por eles
Ora, estabelecer metas é razoável, assim como se faz com a inflação. Aliás, a taxa Selic divulgada periodicamente pelas autoridades monetárias é uma meta de juros. Mas, assim como com a meta da inflação, o objetivo pode não ser atingido. A Selic atual é de 14% ao ano, mas a taxa efetiva no fim de outubro era de 13,9% ao ano e a expectativa de mercado para a Selic em 2017 é de queda de mais de três pontos percentuais.
Os juros são decorrentes de uma relação entre partes, em que o governo paga juros por empréstimos que precisa tomar. O outro lado, o dos credores, só empresta se considera justo o juro acordado. Assim, o governo não tem domínio direto sobre os juros, embora tenha sobre alguns fatores que determinam a percepção de risco dos credores. Um deles é a capacidade de gerar caixa para pagar a dívida, que só existe se há mais receitas do que despesas, objetivo final da PEC do Teto. Assim, quanto maior a capacidade de pagar dívidas e despesas, menor a percepção de risco por parte dos credores e maior a tendência de queda dos juros.
Em vez de cobrar do governo algo que este não pode fazer, mais acertado seria que a CNBB agisse da mesma maneira como Jesus diante de Zaqueu. Publicamente odiado e conhecido como alguém que ganhava em detrimento do povo, Zaqueu, movido talvez por mera curiosidade, queria ver Jesus que passava, sem esperar ser salvo por Ele. Mas, conforme o Evangelho de Lucas, Zaqueu não só foi visto por Jesus como foi tocado profundamente por Ele, convertendo-se de forma inequívoca. Tanto que resolveu repartir metade dos seus bens e devolver quatro vezes o que roubou. A CNBB faria melhor se, em vez de propor algo que o governo não pode fazer, se dirigisse aos credores do governo e, tocando-lhes, assim como fez Cristo a Zaqueu, lhes provocasse tal mudança que esses mesmos credores decidissem cobrar menos juros do governo, e talvez emprestar mais para que o país viabilize os projetos de que a população precisa.
Da mesma maneira, em vez de meramente propor mais uma taxação, poderia dirigir-se mais assertivamente àqueles que possuem grandes fortunas para que, tocados pela mensagem profética e salvífica da Igreja, abrissem seus corações à caridade e, por si mesmos, doassem parte de seus bens a quem precisa. Ou então propor a algumas castas profissionais que abram mão de certos benefícios a que têm direito, mas de que não necessitam, em prol da redução de despesas do governo.
A Igreja precisa ser profeta onde pode ser profeta, e não emitir notas que parecem querer jogar para a torcida. E deixo claro que não é para minha torcida, embora talvez seja a de alguns poucos brasileiros que continuam querendo ver-se como vítimas.
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