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Com a presciência da sabedoria, o presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Nelson Jobim, mexeu os cordéis de suas relações dos tempos de militante político e arrancou do Congresso, em meados do ano, a aprovação do reajuste, em duas etapas, dos vencimentos dos seus pares no STF, com o salto de R$ 19 mil para R$ 21.500, retroativo a 1.º de janeiro e o pagamento dos atrasados que renderam juros para os previdentes. Para não desperdiçar a oportunidade e a ajuda do então presidente da Câmara, o ex-deputado Severino Cavalcanti, calculou com precisão sábia os índices futuros de inflação e, de uma só tacada, emplacou novo reajuste no piso de R$ 24.500, a partir de 1.º de janeiro de 2006.

Como a cascata dos vencimentos do Judiciário irriga os níveis estaduais e municipais, o Papai Noel da toga está com a sacola abarrotada há mais de seis meses. Na mesma cadência, o Congresso – o pior de todos os tempos, em meio à tormenta dos escândalos de corrupção que aprimorou o caixa 2 com o esbanjamento milionário do dinheiro da viúva e, no requinte da criatividade, gerou o mensalão para o aluguel e compra de deputados por atacado – entrou na fila da festança natalina, arrombou a porta, com a urgência aflita de quem se safa na undécima hora, e apelou para a tradicional convocação extraordinária na canseira de trinta dias de trabalho, em janeiro.

Parto complicado, a exigir o bisturi para a cesariana de emergência. Na correria do improviso, o presidente da Câmara, deputado Aldo Rabelo, com seu parceiro no dueto, o senador Renan Calheiros, presidente do Senado, capricharam na montagem do esquema e no retoque do disfarce.

Compungidos, máscara severa do constrangimento, em declarações amarradas pelo cipó do embaraço os responsáveis pelas nozes e avelãs dos parlamentares douraram a pílula purgativa com advertência de duras penalidades aos que, com a carteira recheada, teimarem em manter, durante o mutirão extraordinário, o hábito consagrado pela rotina da gazeta na semana de dois a três dias úteis. As penalidades regimentais vão desde o desconto dos dias de malandragem à cassação do mandato. Conve0nhamos, que o exagero não amedronta a quem sabe onde pisa.

Por um lado, as despesas com a interrupção das férias em janeiro de sol, praia e serra chocam os que ainda se espantam com o padrão dos milionários do andar de cima. Cada parlamentar receberá mais dois subsídios de R$ 12.847, além do que fatura todos os meses. No total, a mixaria de R$ 38.541 para cada um dos 513 deputados e 81 senadores. Com os extras dos milhares de servidores, raspa em R$ 100 milhões. Noves fora as mordomias, vantagens, benefícios, verba indenizatória, que enfeitam um dos melhores empregos do mundo.

Depois de tantos sobressaltos e riscos com as denúncias apuradas pelas CPIs, o Congresso começa a reagir, arreganhando os dentes como bicho acuado. No mesmo arranque, safou o colega, deputado Romeu Queiroz (PTB-MG) da cassação do mandato por 250 votos contra 162. O baixo e o médio clero desdenharam o pedido de cassação do prezado companheiro, acusado de envolvimento nas propinas do mensalão, que o Conselho de Ética aprovara por 12 votos contra dois.

Da trinca de poderes, sobra o governo, em maré de caiporismo com a penca de notícias ruins. A última rodada de pesquisa CNI/Ibope disparou o alarme do pânico, com uma série de índices que registram, em linhas cruzadas, a ascensão dos candidatos oposicionistas – os tucanos José Serra, prefeito de São Paulo e o governador Geraldo Alckmin – e o trambolhão presidencial. Pela primeira vez, Serra ultrapassa Lula e por seis pontos percentuais de diferença, na simulação para o primeiro turno.

Além do tombo, braços e pernas escalavrados: os improvisos de Lula se contradizem e sopram as brasas das crises. Depois de acusar a oposição de golpismo, agora posa de vítima ‘’de todo tipo de preconceito’’. Para quem começou na vida como torneiro mecânico e chega à Presidência da República, a queixa soa como um tolice de quem não domina a língua.

O PT rebela-se na mais embirutada das decisões, criticando a política econômica do governo, as altas taxas de juros e o superávit primário na lua e nem sequer aliviou a mão pesada com o afago do elogio ao resgate da dívida com o Fundo Monetário Internacional (FMI), veneranda reivindicação da esquerda. Para mostrar que está vivo, Lula convocou o maior ministério de todos os tempos para a maratona de longa reunião na próxima segunda-feira, dia 19, para definir as prioridades das obras e providências para o próximo e último ano do mandato.

Parece geringonça abandonada pelo dono ao tempo, ao sol e à chuva, corroída pela ferrugem, caindo aos pedaços e que, de repente, depois de remendos em oficina de fundo de quintal, resolve disputar com o calhambeque o grande prêmio da corrida de fórmula um da reeleição.

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