A semana começou alvoroçada pelo desabafo do ex-presidente Lula contra o PT, a presidente Dilma e contra ele mesmo. Ontem, sexta-feira, um acesso de autoestima da direção nacional do PT anulou todos os efeitos positivos do surpreendente depoimento e ainda exibiu as contradições e equívocos embutidos em confissões e arrependimentos professados sem fé, sem dor e sem alma, apenas por conveniência.

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Ao acusar seus companheiros de ter perdido parte do sonho e da utopia, e só pensar em cargos e eleições, Lula lançou um inaudito desafio não apenas aos correligionários, mas extensivo aos militantes de outras siglas – queremos salvar a nossa pele ou criar um novo projeto?

O que parecia um penitência pública capaz de reanimar o idealismo cidadão, converteu-se instantaneamente num jogo de cena, algo farsesco, leviano, oportunista.

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A burocracia partidária contra a qual León Trostky se insurgiu com tanta veemência há quase 100 anos ganhou nova parada. Evaporaram-se magicamente as imagens e lembranças da ousada proposta do então ministro Tarso Genro em setembro de 2005 para a refundação do PT como reação ao vexame produzido pelo mensalão.

Então como agora, a obsessão pelo triunfo eleitoral a qualquer preço impôs-se ao discurso idealista. Mais uma vez a distopia estraçalha a utopia que a produziu. A diferença entre os dois gestos expiatórios reside no número dos apoiantes: o movimento saneador iniciado por Tarso Genro foi engrossado e vitalizado pela presença de inúmeros fundadores do partido incomodados com os descaminhos adotados pelas lideranças “pragmáticas” empenhadas no projeto de poder. Iludido pela força galvanizadora da sua proposta e crente no seu potencial carismático Lula resolveu tocar sozinho a cruzada reformista. E continua sozinho.

Não contava com os insondáveis meandros da condição humana, com a onipotência e a capacidade deletéria do coletivo. Admitir erros não é próprio das almas pequenas, é desafio talhado para as grandes. Lula não exagerou na retórica, falou com o coração e foi até ponderado nas conclusões, o que levou a direção do partido a recuar neste momento de grandeza foi a sua estatura insignificante.

Não percebeu que este mea-culpa colocaria novamente o PT numa proeminência moral que tanto o PSDB como o PMDB dificilmente poderiam acompanhar. O PMDB não é um partido, é um aglomerado de apetites e o PSDB, federação de candidaturas, cada vez mais distanciado do projeto original social democrata, intrinsecamente reformista, transparente, laico e, pelo visto, incapaz de acompanhar os avanços que o ex-presidente FHC sugere.

Numa sociedade dominada pela má-fé e delações premiadas, a malograda penitência iniciada pelo ex-presidente Lula e abortada por seus companheiros compõe um quadro ainda mais desolador. Quando a necessidade da autocrítica é sufocada pelos caprichos ególatras da autoestima, o abismo fica mais visível. E inevitável.

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Alberto Dines é jornalista.