Um amigo meu, o economista urbano Michael Thompson, escreveu certa vez, com humor britânico, que "as cidades são compostas de prédios, ruas, veículos e... gente", e eu creio que as cidades ditas "do futuro" não serão diferentes. Os abrigos, prédios, casas, seja lá o nome que lhes deem, serão necessários; as ruas e vias continuarão a existir; os veículos poderão ter novos formatos, utilizando outros tipos de energia; e as pessoas estarão lá, com as mesmas paixões.
Se observarmos a evolução das cidades, verificamos que o abrigo, a princípio muito simples, foi se especializando até chegarmos ao edifício cartesiano e transparente que agora começa a adquirir formas orgânicas e imaginativas. Dos caminhos surgiram ruas e praças até atingirmos as supervias modernas que mais separam que unem. As pessoas circulavam a pé (desejo que todos temos hoje), depois a cavalo; a seguir surgiu a carruagem e, finalmente, o veículo motorizado de qualquer tipo. Durante muito tempo os rios foram os grandes caminhos urbanos.
Os elementos fundamentais que constituíram a cidade permanecem os mesmos. Sob formas diferentes, exprimem duas grandes necessidades do homem: a de abrigo e a de ir e vir. Com o decorrer do tempo e com a capacidade de tratar e descobrir novos materiais na natureza, aliada ao desenvolvimento do conhecimento, essas necessidades foram satisfeitas de diferentes formas.
Qual o elemento que ligou estes componentes da cidade? Com a descoberta da agricultura, origem das cidades, um desejo de organização que parece inerente ao ser humano e que era incipiente, no começo, e ligado às necessidades de defesa e sobrevivência evoluiu e com o tempo se transformou naquilo que hoje chamamos de urbanismo. Alguns urbanistas, atualmente, procuram dirigir o desenvolvimento das cidades baseados em pesquisas que desvendem o passado e proporcionem algum vislumbre do futuro. Entretanto, o urbanismo baseado somente nesta visão científica torna as decisões opacas e nem sempre úteis à cidade. A cidade é um organismo vivo com um projeto próprio cujo desenho tem de ser decifrado. Os exemplos de proposições urbanas mais satisfatórias resultam do relacionamento do conhecimento com a compreensão do desejo da cidade.
Podemos dizer, pois, que a cidade do futuro vai aprimorar a relação entre o homem, o abrigo, as vias e o transporte. O transporte coletivo, utilizando os modos possíveis em determinado momento, deverá se sobrepor ao individual. Vamos discutir muito se é melhor aproximar as pessoas do emprego qual deles ou ter uma cidade rápida e completamente acessível. As vias deverão se aproximar do conceito de rua, dominada pelo homem, onde o grande drama urbano se desenrola e no qual as pessoas são os atores. Ver e ser visto. As construções serão voltadas para a sustentabilidade por meio de novos materiais de construção, redução no gasto e poupança de energia. A água captada será reciclada. Entretanto, não basta que a construção seja perfeitamente sustentável; é necessário também fazer arquitetura. Sem ela, a cidade quer do presente quer do futuro fará que os homens vivam num cenário deprimente e sem imaginação.
Lubomir Ficinski é arquiteto e urbanista.
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Esta coluna é organizada por Clovis Ultramari, Fabio Duarte, Irã Dudeque e Salvador Gnoato, com arquitetos urbanistas convidados para discutir o futuro das cidades.
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