A pesquisa qualitativa divulgada recentemente pela Fundação Perseu Abramo, entidade do Partido dos Trabalhadores, constatou que as pessoas que moram nas periferias de São Paulo não pensam como a esquerda gostaria. Esse aspecto, que pode ser verificado nas comunidades de outras cidades brasileiras, parece ter irritado os autores do levantamento, cujas conclusões combinam ressentimento com reprovação. O tom geral da apresentação dos resultados é: “como ousam pensar diferente de nós? Como ousam querer se virar por conta própria e não com a nossa ajuda?”
São muitos os exemplos em que essa postura manifesta-se explicitamente na pesquisa. Reparem: “A cisão entre ‘classe trabalhadora’ e burguesia também não perpassa pelo imaginário dos entrevistados: Trabalhador e patrão são diferentes, mas não existe no discurso relação de exploração: um precisa do outro, estão no ‘mesmo barco’. Destaque para o singular, porque não há ideia de coletivo”. Os autores do estudo queriam porque queriam que as respostas fossem a de um militante petista, ou seja, que os entrevistados acreditassem na “cisão entre trabalhadores e burgueses”, na “relação de exploração” entre ambos e no coletivismo.
Gente que quer melhorar de vida por esforço próprio? Para a Fundação Perseu Abramo, isso é inaceitável
Outra evidência da rejeição ao que pensam os moradores da periferia vem a seguir à descrição de que as pessoas não veem conflito “entre ricos e pobres, entre capital e trabalho, entre corporações e trabalhadores”, mas “entre Estado e cidadão, entre a sociedade e seus governantes”. E isso acontece porque, na opinião dos entrevistados, o governo “cobra impostos excessivos, impõe entraves burocráticos, gerencia mal o crescimento econômico e acaba por limitar ou ‘sufocar’ a atividade das empresas”. Ou seja, a periferia quer que o governo seja tão eficiente quanto as empresas privadas. Como a pesquisa entendeu tal posição? Como uma visão “clientelista” dos entrevistados sobre a atuação do governo. Para a Fundação Perseu Abramo, a eficácia privada é ruim, a ineficiência estatal é boa.
Num outro tópico, a pesquisa apresenta a opinião dos entrevistados com uma crítica ideológica ao afirmar que eles “querem ter sua singularidade e valores reconhecidos dentro da competitividade capitalista” e que, embora não neguem “a importância de políticas públicas e garantia de acesso a oportunidades, (...) rejeitam aquelas políticas que aparentam ‘duvidar’ das capacidades individuais, como as cotas”. Morador da periferia não querer cota? Para a Fundação Perseu Abramo, esse pessoal só pode estar de brincadeira.
A pesquisa também definiu como “supervalorização do mérito” a visão dos entrevistados de que “para ser alguém na vida são necessários trabalho e esforço” e de que “não existem barreiras intransponíveis”. Gente que quer melhorar de vida por esforço próprio? Para a Fundação Perseu Abramo, isso é inaceitável.
Outra pérola: diante da resposta dos entrevistados de que “a burocracia e os altos impostos” são “empecilhos para o empreendedorismo”, informação confirmada por dados empíricos, a pesquisa concluiu que isso não passa de um gesto de “solidariedade (para) com os empresários” porque “muitos assumem o discurso propagado pela elite e pelas classes médias”. Morador de periferia pensar por conta própria? Para a Fundação Perseu Abramo, nem morto.
E a família? Bem, se os entrevistados consideram que a instituição familiar “é o grande alicerce e solução para os problemas individuais e coletivos”, assim como “o antídoto para a crise moral da sociedade”, o que fazem os autores da pesquisa? Qualificam tal posição de forma equivocada como sendo uma “visão liberal” que supostamente confundiria “um problema estrutural” com um problema “de ordem individual que se resolverá pela educação no âmbito privado (familiar)”. Para a Fundação Perseu Abramo, a crise ética não deve ser enfrentada a partir do seio da família, uma bandeira conservadora, mas certamente por mais um governo petista.
Esses são alguns exemplos de uma pesquisa realizada por uma entidade que endossa uma ideologia e agenda política em vigor no Brasil destinadas a manter parcelas da população dependentes de grupos políticos, de governos, do Estado. Porque a pobreza, para esses grupos políticos, não é um problema a ser solucionado, mas um ativo a ser preservado para garantir a existência de partidos como o PT e institutos como a Fundação Perseu Abramo.