É preciso tomar muito cuidado ao analisar fenômenos políticos como Marine Le Pen, Geert Wilders e Donald Trump para que essa análise não pareça um endosso. E analisá-los é constatar que existe um problema sério e profundo a partir do qual emergiram. Pois são eles frutos da decepção de uma parcela numerosa da sociedade em relação aos políticos e ao tipo de política que eles representam. São eles também filhos da decadência civilizacional que ascenderam publicamente por se apresentarem à sociedade como soluções de enfrentamento dessa própria degradação.
Sim, líderes políticos que ascenderam publicamente sob os escombros do que resta de civilização podem apresentar um diagnóstico parcialmente correto do problema. Isso não significa que eles próprios sejam – ou tenham – as respostas. Também não significa que sejam eles os causadores do problema ou sejam o próprio problema, como nos quer fazer acreditar o establishment político, intelectual e jornalístico.
Políticos do mainstream evitaram lidar, enfrentar e até falar sobre problemas centrais
Em janeiro deste ano, escrevi aqui na Gazeta do Povo sobre o relatório “Tendências Globais: Paradoxos do Progresso”. As propensões apresentadas para os próximos anos (aumento do risco de conflitos internacionais, terrorismo e baixo crescimento econômico) eram o atestado público do fracasso dos políticos de hoje e da forma de fazer política.
Quem foram os artífices desse estado de coisas? Os “populistas” que nunca antes estiveram na cadeia de comando para definir os rumos da situação? Não. Foram os líderes considerados “moderados e capazes” e seus antecessores, apoiados e legitimados por intelectuais e pela grande imprensa, os corresponsáveis pelo fracasso do atual modelo político e da forma de fazer política.
Políticos do mainstream, por covardia, ignorância ou concordância, evitaram lidar, enfrentar e até falar sobre problemas centrais, como os riscos advindos da imigração em massa de muçulmanos. Ou porque não quiseram assumir o ônus político de enfrentar a patrulha ou porque discordam que haja uma questão a ser resolvida. As pessoas, entretanto, não são idiotas. Concordo com o João Pereira Coutinho quando ele afirmou em texto recente que “o populismo não nasce do vazio. (...) Há pessoas reais, apesar de invisíveis, que procuram respostas fáceis, enganosas, virtuosas, para estas vidas de naufrágio lento”. Os políticos do mainstream provocaram o naufrágio e os líderes populistas não parecem ser os comandantes mais indicados para salvar os náufragos.
Um exemplo recente e simbólico é Marine Le Pen. A candidata da Frente Nacional perdeu a eleição presidencial também para suas próprias fragilidades. A parte da sua agenda política que poderia ser tida como benéfica (a defesa da cultura francesa contra seus inimigos muçulmanos, banimento de todas as organizações ligadas a fundamentalistas islâmicos, expulsão de pessoas ligadas ao terrorismo) foi obscurecida por sua inabilidade de apresentar um plano que não parecesse um projeto de poder autoritário. Culpar a grande imprensa não pode ser um álibi permanente para eximir-se de suas próprias vicissitudes.
Leia também: Na França, uma eleição decisiva (editorial de 22 de abril de 2017)
Como tanta gente pôde considerá-la uma candidata adequada para, a considerar a razão do endosso, lutar contra os muçulmanos nativos e estrangeiros que querem converter a França numa sucursal da Tunísia? Simples: era ela ou o vencedor Emmanuel Macron. Não foi uma escolha; foi maldição.
Por isso é que se colocar nesse debate adotando ingenuamente um dos lados inviabiliza a criação de uma alternativa intelectual e política substantiva e qualificada, de uma nova elite que tenha coragem de identificar, de falar e de resolver as questões mais difíceis.
Enquanto os incautos limitarem-se a firmar posições e acusar quem não o faz de “isentão”, quem se informa apenas pelas redes sociais terá seu imaginário político destruído ao achar que quem esbraveja mais é o portador da verdade suprema. E, nessa disputa por quem comete mais bravatas, a primeira baixa é a da inteligência.
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