O jornalista Auberon Waugh (1939-2001) foi um dos mais importantes colunistas da imprensa inglesa na segunda metade do século 20. Filho do grande escritor Evelyn Waugh, tinha um talento descomunal para destilar sátira, bom humor e criatividade ao escrever sobre política. Além do texto brilhante, reunia outros dois elementos fundamentais para exercer o ofício: ceticismo e uma costela anarquista.
De sua coluna na revista Spectator ou de seu diário na Private Eye, Auberon batia em conservadores e trabalhistas; criticava a família real e a rainha; denunciava a estupidez de certa intelligentsia inglesa; apontava os vícios da imprensa nativa; condenava a degradação da sociedade britânica. Era excelente até quando errava. Ao escrever, era enfático, enérgico, ofensivo e às vezes desagradável, mas jamais escrevia com o fígado – que usava para atividades mais nobres, como exercer a sua paixão pelos vinhos. Aprendi muito com seus textos. Continuo aprendendo.
Quanto maior a sede pelo poder, mais profunda será a vileza de certos políticos
Auberon não tinha qualquer ambição e ilusão em relação ao poder. Desconfiava de todos aqueles que as tivessem. É a melhor postura para quem deseja ser comentarista político. Suas afirmações sobre o assunto são primorosas. Um exemplo:
“Política, nunca canso de dizer, é coisa para desajustados sociais e emocionais, para rancorosos com algum tipo de deficiência. A finalidade da política é ajudá-los a superar esses sentimentos de inferioridade e compensar as deficiências pessoais a partir da busca pelo poder.”
Assertivas como estas, extraídas do artigo “The power urge (O poder instiga)” publicado em 1984 na Spectator, valem mais do que qualquer punhado de teorias políticas caquéticas (e aqui valho-me do célebre e rude elogio do escritor William Faulkner ao poema Ode a uma urna grega, de John Keats). O parágrafo acima também define à perfeição o marxismo e seus filhos feios. E inocula a dose exata de ceticismo na mente do estudioso, do comentarista e, por que não?, do político sensato e prudente.
Podemos ir além na análise do trecho. Auberon, tenhamos em mente, estava falando do poder. Mais especificamente, do poder político na Inglaterra. E quis dimensionar a influência do poder na psicologia de um tipo de homem que se envolve na política. Há camadas de observações importantes num parágrafo tão curto: 1. a finalidade da política; 2. a possibilidade de usos da política; 3. que tipo de gente se envolve na política; 4. e os limites na busca pelo poder (se é que existem) como uma forma de compensação de algo.
Auberon tinha como ponto de observação a política inglesa – sobre a qual temos grande consideração e respeito. Os infortúnios, dramas e misérias do ambiente e dos atores políticos de sua época, as décadas de 1960 a 1990, podem nos parecer exagerados ou mais adequados à análise da política brasileira porque temos uma tendência a ver alguns países estrangeiros de uma maneira idealizada. Como nos sairíamos, porém, analisando a nossa política e os nossos políticos segundo o trecho do artigo? Se é verdade que todo país tem seus próprios problemas de acordo com a cultura social e política que desenvolveu, comparativamente, o Brasil aparece muito mal na grande foto da política ocidental.
A política brasileira parece ser o que é porque deixamos que fosse ocupada e dominada por desajustados sociais e emocionais, por rancorosos com algum tipo de deficiência. E não parece haver dúvida de que uma parcela poderosa dessa gente busca o poder também para superar sentimentos de inferioridade e compensar deficiências pessoais.
Não duvidem: quanto maior a sede pelo poder, mais profunda será a vileza de certos políticos. Porque, sim, o poder instiga e pode corromper. E quanto pior a sociedade, piores serão os políticos. O que fará diferença será a limitação desse poder e o tipo de gente que o exercerá.
E Auberon Waugh? Sua percepção e ferocidade satírica podem nos ajudar a identificar os desajustados ávidos pelo poder. Hoje em dia, muito mais no Brasil que na Inglaterra.