A arquitetura clássica nos deixa felizes. Por que, então, não se constrói mais casas e prédios de acordo com esse modelo? A afirmação e a indagação foram o mote de um texto do jornalista Ed West publicado na semana passada na revista inglesa The Spectator.
West usou dados de pesquisas recentes para provar seu ponto: as cidades ficam mais bonitas e as pessoas têm uma maior sensação de bem-estar quando vivem em lugares com esse tipo de construção.
Se isso é verdade, por qual razão na Inglaterra a arquitetura clássica não é a preferida dos profissionais nem é incentivada pelos governos locais? O próprio West responde: no primeiro caso, os próprios arquitetos preferem construções inovadoras em vez das formas arquitetônicas tradicionais. O segundo motivo é a lei que define o planejamento e construções urbanas e que lá praticamente inviabiliza qualquer projeto que siga o modelo clássico.
Se nada fizermos para proteger essa dimensão da beleza, cada vez mais viveremos em cidades cheias de construções úteis e feias
A escolha dos arquitetos de hoje tem explicação no passado recente. Na virada do século 19 para o 20, os profissionais passaram a considerar a utilidade mais importante que a beleza. Um dos que alertaram para o problema foi o filósofo inglês Roger Scruton, no documentário Por que a Beleza Importa? Scruton conta que, entre 1750 e 1930, se pedíssemos “a uma pessoa educada para descrever o objetivo da poesia, da arte, da música, ela teria respondido: beleza”. Esta tinha, então, “um valor tão importante quando a verdade e a bondade”. No século 20, a beleza deixou de ter importância e “a arte foi gradativamente orientada para quebrar tabus”. O critério de julgamento também mudou e a beleza foi preterida em nome da originalidade; nas artes de forma geral, na arquitetura em particular.
No filme, Scruton cita o exemplo do lugar onde cresceu, Reading, “que era uma cidade vitoriana charmosa, com ruas arborizadas e igrejas góticas, repleta de hotéis e prédios públicos elegantes”. Foi na década de 1960, segundo ele, que as coisas começaram a mudar. Uma rua do centro foi destruída “para dar lugar a escritórios, uma estação de ônibus e estacionamento. Tudo projetado sem qualquer preocupação com a beleza. E o resultado demonstra claramente que, se você considerar somente a utilidade, as coisas que você construiu se tornarão inúteis”. O que se seguiu foram abandono e vandalismo.
No Brasil, basta consultar fotos antigas das cidades para verificar que o padrão de beleza urbana tradicional deu lugar a um ambiente novo, às vezes funcional, porém estéril e desalmado. Naquelas onde ainda existem pontos históricos, andar pelas ruas provoca sensação de estupor, encantamento, mas também de tristeza perante as condições de prédios e casas que são parte da nossa história. Se em alguns lugares há construções preservadas ou que foram restauradas, não parece que isso seja a norma. E os centros antigos de determinados locais, além de degradados ou mal cuidados, são inseguros.
Se a história da civilização ocidental é constituída por altos e baixos e, por isso mesmo, por “uma série de renascimentos”, como nos ensinou o historiador Kenneth Clark na sua estupenda série Civilização (BBC, 1969), há de se frear o trem da destruição para manter de pé as construções que nos conectam ao passado sobre o qual apenas lemos ou ouvimos. Essa conexão imediata e pulsante provoca uma mistura de admiração e de responsabilidade por aquilo que herdamos dos nossos antepassados e de que deveríamos ser guardiões.
O que defendo é preservar o que ainda nos resta da arquitetura histórica, impedir a sua destruição e incentivar a construção de prédios públicos e privados de acordo com a tradição arquitetônica que nos permite criar vínculos afetivos com os lugares onde vivemos. Se nada fizermos para proteger essa dimensão da beleza, cada vez mais viveremos em cidades cheias de construções úteis e feias. Perderemos a nossa história e a nossa identidade.
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