Zombar dos padrões sociais estabelecidos, eis uma das expressões da festa popular do carnaval. Ao inverter a lógica do poder, com sua expressão máxima no burlesco Rei Momo, a festa do carnaval tem, nas suas origens, a característica de desafiar hierarquias e regras. No carnaval, o dono do poder, engomadinho e “cidadão de bem”, é equiparado a uma figura caricata que é o seu oposto. A perfeição é comparada ao ridículo.
Assim também é na cidade de Curitiba, numa analogia: na nossa cidade, domina o discurso da perfeição, “Cidade Modelo”. Vanguarda na mobilidade e na arquitetura. Seus méritos no urbanismo são invejados por quem passeia pelo seu circuito turístico, cuidadosamente planejado para mostrar suas virtudes.
A periferia de Curitiba é uma espécie de versão carnavalizada da cidade modelo
Mas quem quiser ver mais a fundo vai encontrar uma grande parte da cidade que desafia a perfeição da cidade modelo. Comunidades com problemas de infraestrutura, com péssimo serviço de transporte e afastadas dos benefícios da cidade.
Suas ruas construídas pelos próprios moradores desafiam o sistema de avenidas e os eixos trinários das vias rápidas e canaletas de ônibus. Por ali, os “ligeirinhos” e “alimentadores” disputam espaço com carros e pedestres, pois não existem calçadas.
As casas não tiveram projetos dos renomados arquitetos da cidade, mas dos mestres de obras da comunidade, experientes nas construções e reformas dos prédios e casas dos bairros ricos a tal ponto de conhecerem os projetos básicos para a autoconstrução de suas moradias. Construída ao longo de anos, as casas têm “puxadinhos”, inaceitáveis na arquitetura modelo.
A periferia de Curitiba é uma espécie de versão carnavalizada da cidade modelo. Por lá, quase tudo é o oposto do mito da cidade perfeita. Tal qual o carnaval, a periferia ridiculariza a cidade modelo – afinal, é a parte da cidade que precisa existir para que o outro lado possa ser propaganda.
E, diferentemente da festa do carnaval, a versão oposta da cidade modelo dura o ano todo.