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bruno meirinho

A cidade legal e a cidade real

Na semana passada, a prefeitura de Curitiba publicou um decreto admitindo a regularização simplificada de edificações construídas em desacordo com o zoneamento municipal, desde que edificadas até o ano de 2012. Trata-se do Decreto 140/2016, já em vigor. De acordo com o decreto, a regularização das edificações dependerá do pagamento de valores a título de outorga, e terá limites para a regularização de parâmetros.

Essa iniciativa é fruto da pressão popular que reivindicou mudanças no Plano Diretor, revisado durante dois anos – 2014 e 2015 – e que resultou na nova lei do plano. A partir de propostas elaboradas pelos cidadãos, incluindo aqueles organizados na Aliança pela Legalização das Moradias – um movimento formado por associações comunitárias que reivindicam a regularização de moradias – e no Mobiliza Curitiba, os vereadores inseriram no Plano Diretor a permissão para a legalização de construções pré-existentes ao Plano Diretor.

O decreto da regularização simplificada das edificações é uma boa notícia para Curitiba

A medida é de grande importância para o reconhecimento da cidade real, construída de forma divergente à lei do zoneamento (lei municipal que estabelece as regras de construção na cidade). Na cidade de Curitiba, existem regras previstas nessa lei que ignoram a realidade da cidade. Um dos exemplos é a região da “Zona de Serviços” do bairro do Boqueirão, que abrange a parte do bairro entre o Rio Belém e a Avenida Marechal Floriano, desde a Linha Verde até o limite com o município de São José dos Pinhais. Nessa região, a lei do zoneamento estabelece terrenos com áreas grandes e proíbe a construção de mais de uma moradia no lote. Assim, de acordo com a lei de zoneamento, essa região seria destinada para empreendimentos de serviços, como galpões, e teria reduzida presença de moradias. Mas, na realidade, o Boqueirão é um dos bairros mais populosos da cidade, sendo o quarto bairro com maior número de moradores.

Além disso, nessa região existe uma infraestrutura de transporte coletivo de massa: a canaleta do ônibus expresso na Avenida Marechal Floriano, com três terminais de transporte. A lógica do planejamento em Curitiba deveria ser justamente aproximar a moradia das estruturas de transporte em canaleta; afinal, o zoneamento deveria combinar o sistema viário, o transporte coletivo e o uso do solo, o chamado “tripé” do planejamento de Curitiba. Mas, na região do Boqueirão, o zoneamento prevê justamente o oposto: evitar moradias próximas da estrutura de transporte. Com isso, uma grande parte da população residente no bairro tornou-se ilegal, residindo em casas que contrariam as regras do zoneamento. No mesmo sentido, a regra acabou afastando novos moradores dessa região, fazendo com que mais pessoas tivessem de morar em regiões afastadas do sistema de transporte, desperdiçando a capacidade da infraestrutura do bairro.

A situação do Boqueirão é semelhante à de diversas outras áreas da cidade, já que as irregularidades nas construções atingem um grande número de imóveis em Curitiba. Preservando alguns limites, é urgente que seja realizada a regularização simplificada dessas edificações, inaugurada com o Decreto 140/2016. Da mesma forma, é preciso que a lei do zoneamento seja revista, analisando as situações em que a realidade da cidade não pode atender aos parâmetros do zoneamento.

O decreto da regularização simplificada das edificações é uma boa notícia para a cidade de Curitiba. Fruto da reivindicação popular, a regularização das edificações é um ato de reconhecimento da cidade real, desprezada pela antiga letra da lei.

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