| Foto: Drew Angerer/AFP

Trump errou. Bem, o presidente dos Estados Unidos erra tanto que já não é novidade que ele tenha pisado na bola de novo. O eloquente equívoco da vez é o rompimento com o Acordo de Paris. Ao anunciar a retirada dos Estados Unidos, Trump caminha na contramão dos consensos da civilização. É muito grave. Isso porque o problema não está apenas na saída do segundo maior país emissor de dióxido de carbono na atmosfera, mas também na motivação desse ato. Afinal, Trump se baseia em um pensamento obscuro, contrário aos avanços da ciência, e que nega verdades muito fortes – entre elas, a tese largamente aceita de que as emissões de dióxido de carbono (CO2) na atmosfera são responsáveis pelo aquecimento global.

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Em uma recente publicação em seu blog na Gazeta do Povo, Rodrigo Constantino defendeu a atitude de Trump afirmando, entre outras coisas, que a liberdade de pensamento é um valor importante na ciência, que, portanto, deve permanecer aberta ao debate. Por isso, seria errado considerar que a única verdade cientifica estaria na tese que afirma que a ação humana sobre a natureza é a causadora do aquecimento global.

Até onde vai o debate “aberto” na ciência? Vamos para o concreto: Em outro blog, também na Gazeta do Povo, Marcio Antonio Campos alertou sobre uma tese de doutorado que seria apresentada na Tunísia e que sustentava que o planeta Terra era plano e teria apenas 13 mil anos de existência, enquanto é unânime em toda a comunidade científica que nosso planeta é esférico e tem bilhões de anos. Afinal, tudo está em aberta discussão, ou podemos estar dispostos a aceitar algumas verdades? Por recreativo que seja defender que a Terra não seja redonda, isso não passa de um absurdo risível. Rodrigo Constantino estaria disposto a questionar a lei da gravidade ou o Sol como centro do nosso Sistema Solar, entre outros consensos?

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É verdade que há uma escassa minoria de cientistas, denominados “céticos”, que questionam o próprio aquecimento global, ignorando, por exemplo, o impressionante fenômeno do degelo de partes das regiões polares. Como se vivessem em outro planeta, os “céticos” dizem que a humanidade não é causadora dos problemas ambientais, e que o aquecimento global ou não existe ou é apenas um ciclo natural da Terra. Com esse pensamento, que enfrenta a própria verdade evidente e também as pesquisas mais sérias, políticos como Trump defendem políticas favoráveis à exploração da energia do carvão, vejam que beleza.

O Acordo de Paris é sobre isso: escolher entre o carvão ou as energias limpas

Para sustentar a visão de que os “céticos” podem ter razão, Constantino reforça sua narrativa explicando que o discurso ambiental começou juntamente com a queda do Muro de Berlim e o fim da União Soviética. Segundo o blogueiro, os marxistas que perderam seu império foram se refugiar nas organizações ambientais que hoje impõem ao mundo as punições anticapitalistas contidas no Acordo de Paris. Uma fantasia impressionante que, para não dizer que seja desprovida de valor, parece uma bela história de ficção. Mas, voltando à realidade, é absurdo julgar que os lideres políticos das mais diversas orientações, da direita à esquerda, estariam se submetendo a um acordo ambiental como meros fantoches do marxismo subterrâneo internacional.

Ao longo de décadas, cientistas têm debatido o tema do aquecimento global e, dentro de um organismo da ONU chamado IPCC, chegaram ao consenso sobre as causas do aquecimento global e o que a sociedade pode fazer para frear esse fenômeno. As soluções estão na substituição do petróleo, carvão e gás pelas fontes de energia renovável, solar, eólica, biomassa, entre outras. O Acordo de Paris é sobre isso: escolher entre o carvão ou as energias limpas.

O cumprimento do Acordo de Paris é uma meta perseguida por mais de 100 países. Fundamentado em bases técnicas consistentes, o acordo implica em um esforço de transformação da forma como produzimos e consumimos. Não há nada de inútil nisso; pelo contrário, é uma mudança como tantas outras que tornaram nossas sociedades melhores, como as máquinas a vapor e os equipamentos eletrônicos. O pensamento de Trump, defendido por Constantino, é puro medo do novo, que não deve ser mais forte que a esperança por um futuro melhor.

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O discurso atrasado não resiste aos seus próprios fundamentos. Trump alega estar protegendo empregos, mas a transição para novas formas de energia gera mais empregos e mais qualidade de vida; onde está o prejuízo? Em 2005, a China substituiu todas as locomotivas a carvão existentes no país por locomotivas elétricas ou movidas a diesel. Essa mudança, além de repercutir em melhora ambiental, significou um trabalho intenso para a transformação e fabricação de novas locomotivas. Onde está o prejuízo aos empregos?

Não há também obstáculos significativos para os países emergentes. Segundo os parâmetros do próprio Acordo de Paris, os países que mais produzem emissões de dióxido de carbono são os países ricos, e são eles que devem se esforçar mais para atender às mudanças necessárias. Já há tanto tempo que a ONU adota a lógica de que os países ricos devem ser mais responsáveis pelo enfrentamento às mudanças climáticas do que os pobres que até surpreende que essa crítica venha tão fora de hora. O acordo não é ruim para países emergentes e, vamos lembrar, quem está saindo do acordo são os Estados Unidos, não um país emergente.

Constantino começa sua explanação se defendendo do argumento de autoridade. Reconhecendo que não é um cientista, afirma que vai expressar suas opiniões com argumentos que não dependam da autoridade técnica. Mas, ao fim de sua palestra, deixa escapar: “já li muito sobre esse assunto”, apelando para o dito argumento de autoridade. Faltam argumentos autênticos para defender a desastrosa política de Donald Trump.