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Bruno Meirinho

À própria sorte

 | Daniel Castellano/Gazeta do Povo
(Foto: Daniel Castellano/Gazeta do Povo)

A cidade de Curitiba sofre com muitas carências, que são sociais, culturais, econômicas e de informação. A prefeitura municipal, que poderia exercer o papel de fornecer meios para suprir as carências, parece estar empenhada em piorá-las.

No tema da habitação, nada de novo parece estar por vir da Cohab ou de qualquer lugar da prefeitura. Enquanto isso, o problema da moradia se agrava. Sem política alguma, quem decide como se adquire uma moradia são as empresas do capital imobiliário, enquanto a Cohab é sustentada com dinheiro da sociedade.

Na cultura, a prefeitura estabeleceu um ritual de procedimentos que se parece com uma cena do livro O Processo, de Kafka, no qual o personagem é instruído a ir de um departamento a outro para dar andamento a um processo sem nem sequer saber qual o motivo ou objetivo do procedimento. Nada de novo para quem vive a burocracia brasileira. Ao estabelecer esse ritual como exigência para os eventos culturais, a prefeitura sequestra uma expressão espontânea da sociedade e deixa a cidade ainda mais carente de cultura. Arte, só a oficial, com alvará e aprovação do nobre intendente.

Com informação correta seria possível reduzir consideravelmente o custo de cada passagem

Agora, o aumento abusivo da tarifa do transporte coletivo é um golpe contra a frágil economia da cidade, que depende dos deslocamentos diários, encarecidos. Superior à inflação e ao crescimento da capacidade de compra da sociedade, o aumento da tarifa desincentiva o acesso à educação, encarece o trabalho autônomo e os custos operacionais de todas as empresas, além de desestimular o lazer com o fim da tarifa domingueira. No fim, o aumento da tarifa fere de morte o próprio transporte coletivo, que perde passageiros em progressão geométrica todos os anos.

E não se diga que perde passageiros porque a cidade está mais rica e as pessoas conseguem andar mais de carro – conclusão ardilosa a que chegam alguns integrantes da cúpula da máfia do transporte. A verdade é que, para muitos deslocamentos, está até mais barato andar com outros meios de transporte que fazer uso do ônibus. Isso tem muitos preços, ambientais, de infraestrutura e de funcionamento da cidade. Uma tarifa mais baixa pode representar mais usuários do sistema, menos congestionamentos nas ruas e mais acesso a quem tem menos condições de pagar.

E existe a carência de informação a que somos eternamente condenados. Mesmo com relatórios extensos de instituições como Tribunal de Contas, Câmara Municipal e sindicatos recomendando o corte nos preços da tarifa, por serem ilegais, o acordo da Urbs com as empresas do transporte decreta que é necessário aumentar o preço acima da inflação. Falta um encaminhamento realmente interessado em promover a tarifa justa do transporte coletivo e, no mínimo, espera-se isso da prefeitura. Mas o compromisso é claramente outro.

Talvez seja contar com a ajuda do grande salvador, o governo do estado, a oferecer um subsídio que deixará a sociedade aliviada pela redução do preço pago na catraca e também atenderá aos empresários, agraciados com dinheiro público para sustentar preços obscenos na tarifa técnica, que ninguém vê e “ninguém sente”.

A ideia de adotar mecanismos de subsídio na tarifa não é, em si, boa ou ruim. O primeiro passo, entretanto, é definir de forma confiável o custo real do sistema. Justificativas do tipo “o transporte custa caro mesmo” ou “vejam as vantagens do sistema, tem integração e ônibus novos” não explicam os centavos da tarifa que, com milhões de passagens vendidas, representam grandes cifras. Nessa conta, cada centavo importa, e com informação correta seria possível reduzir consideravelmente o custo de cada passagem, sem que o transporte tivesse de piorar.

Claro, somos reféns de uma licitação feita pelo atual governador, quando era um prefeito agraciado com a quase unanimidade dos votos. Ou seja, seu capital político foi construído à base de uma herança que sentimos hoje, quando o sujeito já se prepara para não concorrer mais a cargos eletivos.

E assim a cidade vai sendo aquilo que ela já seria se não tivesse prefeitura alguma: um espaço entregue à própria sorte.

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