No episódio da advocacia administrativa em defesa do apartamento de Geddel Vieira Lima, contra a posição do Iphan e do Ministério da Cultura, o presidente Michel Temer cometeu um flagrante crime de responsabilidade. Resta saber se será realmente punido, na forma da lei e da Constituição, pela conduta reprovável, que motivaria o seu impedimento.
Relembrando o caso: Geddel Vieira Lima, ex-ministro-chefe da Secretaria de Governo, procurou o então ministro da Cultura, Marcelo Calero, para solicitar sua intervenção no Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) em defesa da construção do prédio de luxo La Vue, projetado para ser implantado na Baía de Todos os Santos, em Salvador (BA). Detalhe: Geddel Vieira Lima é dono de um dos apartamentos deste edifício, adquirido ainda na planta e avaliado em R$ 2,6 milhões. O Iphan embargou a obra alegando que o projeto afeta a paisagem protegida pela legislação do patrimônio nacional.
Temer tentou minimizar, alegando ser um problema pequeno. Certamente está acostumado com condutas muito mais cabeludas
Geddel Vieira Lima pediu a Marcelo Calero que fizesse a revisão da decisão do Iphan e liberasse a obra. Fazer uso de cargo público para defender um interesse estritamente particular é um crime, definido na lei como “advocacia administrativa”. A punição imposta para esse tipo de crime é irrisória, mas não deixa de ser uma conduta reprovável. Deveria merecer sanções mais severas. De todo modo, ao receber o pedido indecente, Marcelo Calero procurou o presidente da República, e pediu a ele que fizesse Geddel parar de pressionar em defesa de seus próprios interesses particulares. O presidente, entretanto, devolveu ao ex-ministro da Cultura o pedido de Geddel. Falou que a negativa do Iphan estaria criando dificuldades operacionais no governo federal.
A conduta de Michel Temer é contrária à lei e tipificada como crime de responsabilidade, na forma da Lei 1.079/50. O artigo 9.º, número 3, por exemplo, define que é crime de responsabilidade: “não tornar efetiva a responsabilidade dos seus subordinados, quando manifesta em delitos funcionais ou na prática de atos contrários à Constituição”. Mais cristalino ainda é o artigo 11, número 5: “negligenciar a arrecadação das rendas, impostos e taxas, bem como a conservação do patrimônio nacional”.
Na quinta-feira, o presidente divulgou uma nota, lida pelo porta-voz, na qual esclarecia os fatos denunciados por Marcelo Calero à Polícia Federal e que motivaram a demissão de Geddel Vieira Lima, depois de dias sangrando. No “esclarecimento” do presidente da República encontramos a confissão do crime. Temer sugeriu que o assunto fosse “mediado” pela Advocacia-Geral da União (AGU). Mas, afinal, como pode a AGU mediar o conflito entre a defesa da lei e a advocacia administrativa banalizada? O assunto não é passível de mediação, e sim de sindicância e punição. Temer tentou minimizar, alegando ser um problema pequeno. Certamente está acostumado com condutas muito mais cabeludas, ainda desconhecidas da opinião pública.
Pedidos de impeachment chegam ao presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia. Resta saber se irá encaminhá-los para o trâmite ou se irá arquivá-los. Caso Temer sofra um impeachment a partir de janeiro de 2017, deverá ser eleito um sucessor para o cargo de presidente da República. A eleição seria indireta, pelos membros do Congresso Nacional. Uma regra que não deveria haver na Constituição. A eleição deveria ser direta, pelo voto universal. Mas isso não afasta o fato mais grave: há uma quadrilha que está se adonando dos altos cargos do Poder Executivo federal, que praticam o tráfico de influência como algo natural. Não reduziram os gastos, muito embora tenham sucateado programas sociais. Como se explica isso?
O que não podemos é aceitar com naturalidade o discurso empolado de Michel Temer para justificar o injustificável. É preciso enfrentar o fisiologismo que domina parte da política brasileira e tem impedido o pleno exercício da democracia.
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