Estamos na ilha de Albion, nome mítico da Inglaterra. Por um sortilégio inexplicável, fomos – eu e um aluno – convidados pelo Rei Arthur. Doze cavaleiros estão em volta da Távola Redonda. Nós, o rei, a rainha Guinevere, acompanhados pelo mago Merlin e a fada Morgana, vamos assistir à sagração do cavaleiro Sir Ivanhoé. Lá estão outros do grupo fechado: Sir Percival, Sir Galahad, Sir Lancelot e outros. A cidade é Camelot. O rei vem um pouco estafado, pois teve de arrancar a Excalibur, encravada em uma rocha. É incrível, mas aqui estamos! A cerimônia termina. Nossos hologramas devem desaparecer também. Hologramas?

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O monarca é democrático: todos os cavaleiros da Távola participam das decisões do governo. Antes de o rei Arthur se retirar para os aposentos, nos apresentamos e pedimos que nos permita projetar uma novela do futuro: Saramandaia, obra-prima do gênio Dias Gomes. A novela foi adaptada para a televisão pela Rede Globo. Após a projeção, vamos como viemos. A corte do rei Arthur e os cavaleiros, ao redor da lendária távola, desaparecem como que por encanto.

Saímos do mundo das lendas do passado para retornar ao presente. Novelas, como viram, fazem sucesso desde a época de Sir Galahad. Como se sabe, emergem de um passado distante. Enquanto gênero textual, as novelas arcaicas são a origem das que chegam até nossos dias. O conceito e os tipos dessas narrativas vão, assim, se atualizando ao longo de seu percurso. Literariamente falando, a novela faz parte do gênero narrativo e se insere entre o conto e o romance. Este último também está conectado à cultura medieval, no caso de estar vertido em versos.

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Em época mais arcaica, as aventuras dos cavaleiros são cantadas. Devido a esse fato, as narrativas são tão longas que passam a ser escritas em capítulos, como ainda se dá hoje na novela contemporânea. Cada capítulo contém um só núcleo dramático. E isso vigora até hoje. Após a sessão, o mago Merlin nos cumprimenta pela qualidade e brilho das novelas de hoje, que, ainda que não lidem com temas antigos, nos mostram a cultura do futuro.

A novela senta praça na era contemporânea e está vivíssima aqui ao nosso lado, no dia a dia

Costuma-se dividi-las em três grupos ou ciclos. As manifestações mais importantes se iniciam na Alta Idade Média. No alvorecer da cultura, as novelas são escritas em pergaminhos que passam de mão em mão, disseminando informação. A imprensa logo virá para aumentar as tiragens. Vários copistas medievais ficam a ver navios. Obras se perdem, detonadas pelo manuseio excessivo. As novelas de cavalaria são classificadas em ciclos: no Arthuriano ou Bretão, dos cavaleiros da Távola Redonda, as obras marcantes são: A Demanda do Santo Graal e Amadis de Gaula; no Ciclo Carolíngio, Aventuras de Carlos Magno e os Doze Pares de França; e, por fim, o Ciclo Clássico traz temas greco-romanos.

Nesse ponto, deparamo-nos somente com manifestações escritas. Aspectos como renovação, estrutura e novidades temáticas são a tônica. Sua origem, como já se sabe, remonta aos tempos pré-modernos. Um exemplo de novela do início da Idade Moderna é, sem dúvida, a obra de Miguel de Cervantes Dom Quixote de La Mancha, com seu fiel escudeiro Sancho Pança. Além de essa obra ser bastante próxima da epopeia e do romance, o famoso castelhano escreve um dos primeiros exemplares da novela moderna: Novelas Exemplares. Muitas vezes, a distância entre novela e romance é significativa.

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Outra era: descoberto o Novo Mundo, constata-se que por estas bandas cochilam índios que não levam muito jeito para nem sequer se assemelhar aos cavaleiros andantes. A obra de José de Alencar O Guarani é um “novelão” em prosa. Haja lágrimas! Lá acima, nos Estados Unidos, surge obra assemelhada à do nosso autor ufanista: O último dos moicanos, de James Fenimore Cooper, prima por parecer mais um dramalhão do início da era contemporânea.

A novela senta praça na era contemporânea e está vivíssima aqui ao nosso lado, no dia a dia. É o familiar plim-plim. A primeira grande manifestação da novela por aqui, já em meados do século 20, surge no radioteatro, com as novelas radiofônicas. O sucesso que a radiodramaturgia conquista é simplesmente assombroso.

Colados ao rádio, vibramos com as novelas da Rádio Bandeirantes. Os atores desse teatro nunca dão as caras, tanto que a personagem Macabea, de A Hora da Estrela, de Clarice Lispector, se apaixona pelo ídolo radiofônico que a atropela e mata. Façamos aqui um flashback, para nos situarmos melhor. O namorado lhe deu um fora; só lhe sobraram o rádio e seus galantes locutores. Analfabeta e excluída, se deixa contaminar pelo glamour dos seus heróis. Os limites de seu mundo são delimitados pelo poder que há no seio da linguagem do mundo do rádio: o jargão radiofônico. No caso das novelas dessa era do rádio, não bastava somente falar, mas também interpretar; dar vida à cena com a qual seduz o ouvinte.

A personagem vive caminhando pelo gume afiado da lâmina do tempo e das palavras estereotipadas, pelo rádio e depois pela tevê. Ela quase não entende os locutores. Por coincidência, certo dia, dá de cara com um desses heróis. Um deles parece um ogro. Outro ostenta uma pança na qual o sol não se põe. “Mas como transmite bem, a voz derrete nossos corações”, diz uma moça dos seus 18 anos. Vale mencionar também que, do ponto de vista da semântica, essa palavra da dramaturgia – novela – pode ter sentido conotativo e até pejorativo. As tramas e os enredos são enrolados e intermináveis. Longas demais, até a náusea. Uma novela mexicana ou cubana se alongou por 230 capítulos, lá pelos anos 60. O nome? O Direito de Nascer.

Arthur procura Merlin para levá-lo até 2015, para o set de novelas da grande rede de tevê, para ser figurante (é ele quem apara as unhas de Sua Majestade). Guinevere, a rainha, está a passar por ele e reclamando, bastante contrariada: “E eu, Arthur?”

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