Tinha 35 anos de idade e oito de análise. Trocara cinco vezes de analista por diferentes razões. Um deles só se alimentava com arroz integral e quis obrigá-la a tanto, outro deu em cima dela, e ela deu em cima de um outro, que não lhe de bola. Não era fiel aos analistas, mas fiel à instituição.
No início, era o pai que pagava as sessões, por isso mesmo era nele que ela descarregava 99% de seus problemas. Aos 28 anos, descolou o primeiro emprego (recepcionista de uma companhia aérea) e fez questão de cumprir a regra elementar da terapia: quem paga o pecado é o pecador. Cortou cinema, só não cortou as sessões de análise. Até que, na altura do quinto analista, topou com um que só ouvia canto gregoriano e voava em asa-delta.
Uma noite, o analista convidou-a a tomar alguma coisa em seu apartamento. Deslumbrada e a fim, ela penetrou no apartamento onde havia uma enorme asa-delta em cima de uma enorme cama. Não entendeu direito, mas o analista serviu-lhe uísque de 12 anos e botou para tocar CDs incrementados com hinos litúrgicos gravados pelos monges da abadia de Solésmes.
Era dose. Ela confessou que estava apaixonada pelo analista, o qual também declarou que estava a fim, mas invocou a ética profissional: havia um problema.
A moça, que havia superado todos os problemas com os analistas pretéritos, quis saber qual era o grilo. O analista apontou a asa-delta em cima da cama: é ela!
Assombrada, a moça perguntou quem era "ela". O analista confessou que se apaixonara pela asa-delta, fazia amor com ela todas as noites. No dia em que a traísse, ela o mataria numa tarde de verão, ali mesmo, entre a praia do Pepino e a pedra da Gávea. E ele morreria como morrem os amantes insaciados, metade céu, metade mar.