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Rio de Janeiro – Um amigo italiano pediu-me para traduzir "mascalzone", classificação que equivale a patife, a canalha. Num primeiro instante, traduzi por "vigarista" – e logo me curvei ao peso de graves responsabilidades semânticas.

É evidente que, em versão grosseira, tudo estaria certo, mas, em nossa língua, "vigarista" tem sutilezas que escapam a qualquer outra classificação lingüística, mesmo em se tratando de um idioma próximo ao nosso, como o italiano. Vigarista, todos nós sabemos, vem do conto-do-vigário ancestral, a lábia do sujeito que empulha o outro com uma história complicada e fantástica e dela tira vantagens.

Embora na prática possa até ser um assassino ou um ladrão, o vigarista não chega a ser um criminoso. É apenas um espertalhão, um cara dotado de imaginação, lábia, coragem e sorte para desfechar o golpe. O ladrão ou o assassino típicos sabem que apelarão para a violência na fase final de suas ações.

O vigarista, em princípio, tem horror à violência, é um pacifista. Ele procura tirar a sua vantagem à custa de palavras e gestos, no que se parece com qualquer político, pregador ou moralista. Sua matéria-prima é o bem comum ou o bem do próximo, embora, depois de seu beneficiamento particular, essa matéria-prima termine em dolo para os outros e em lucro para o vigarista.

O exemplo clássico para essa prática seria o próprio conto do paco, ou seja, do pacote de dinheiro que é oferecido ao incauto. Ou do bilhete de loteria premiado. O vigarista modela a realidade, cria em cima do fato, é um ilusionista, um escravo da fantasia e do sonho.

É óbvio que deseja faturar em cima do sonho e da fantasia, prejudicando os outros. Mas, até certo ponto, a arte não é uma vigarice? "A Divina Comédia" não é um genial conto-do-vigário?

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