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Carlos Heitor Cony

Bicas d’água

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Entramos afinal num ano eleitoral, e os dois principais candidatos à Presi­dência da República já se preparam para tirar o salto alto e descer à rinha eleitoral com o mesmo equipamento básico de todos os que se habilitam a uma função pública, seja qual for.

Já foram noticiados os programas de José Serra e de Dilma Rousseff para emocionar o eleitorado: obras e mais obras. Não será hora de discutir aleatoriamente os princípios fundamentais de uma proposta política. Ambos se consideram de esquerda e detêm o poder, um no plano do maior estado brasileiro, o outro (ou melhor, a outra) no plano federal, sendo dela, como é, a decisão final do PAC, o mais ambicioso projeto de obras do atual governo.

É hora de a onça beber água e, para isso, nada de citar economistas e filósofos, nem Adorno, nem Marx, nem Walter Benjamin, nem Bobbio. Para que a onça tenha de beber alguma coisa, a solução é a velha, a insubstituível bica d’água nas chamadas regiões carentes do mínimo que a presença do Estado pode dar.

Os cardeais da política se transformam em coroinhas, junto aos cabos eleitorais de cada facção, em busca de votos que elegem tanto um deputado estadual como um governador e um presidente da República. Vale dizer: a ideologia se aposenta, e entra em campo a fisiologia para decidir a partida. ‘C’est la vie’.

Por fora, bem por fora, trombeteando as bicas d’água que serão inauguradas, correrão os financiamentos de cada campanha, dinheiro grosso e geralmente duvidoso. Ponto de partida para movimentar acusações, inquéritos, cassações, o diabo. Nesse particular, as bicas, com o decantado precioso líquido, serão até que bem-vindas, por serem úteis e custarem pouco.

As onças beberão em fontes mais substanciosas.

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