Ré, pequena curva à direita, primeira marcha, curva à esquerda, apertar o botão do controle do portão, freio, apertar o outro botão do controle do portão, seta, primeira marcha, curva à direita. Sim, quase sempre à direita, quase sempre o mesmo caminho. E desde que tenho um carro tem sido assim ao menos em todos (absolutamente todos) os dias úteis. Não que isso seja muito diferente de quando andava pelas minhas próprias pernas ou pegava um ônibus: tirando as trocas de marcha e a seta, o resto era basicamente a mesma coisa. O que muda, no entanto, é minha relação com o mundo.
Moro no Uberaba, um bairro de Curitiba que está começando a crescer somente agora. Os grandes terrenos estão sendo vendidos a não tão grandes construtores, que fazem nascer 20 sobrados no mesmo espaço onde antes cabia um. Isso significa que mês a mês novas pessoas circulam pelo bairro, as placas e anúncios se multiplicam, o comércio se expande, e sempre que você sai de casa se dá conta de que o mundo corre depressa. Os tijolos viraram paredes, que viraram casas, que viraram um todo pulsante.
Mas, como eu estava dizendo, isso é para quem caminha. Desde março do ano passado, no entanto, eu vivo numa bolha de quatro rodas. E não me entendam mal: eu amo a minha pequena bolha azul, seu conforto, comodidade, silêncio, rapidez, som com entrada para pendrive. Não o trocaria por nada. Mas isso não o faz menos uma bolha: dentro dele meu mundo é outro, completamente diferente e infinitamente mais restrito. Foi assim:
No último domingo, eis que preciso comprar pão. Nessas situações, o que geralmente acontece é eu pegar o carro e ir dirigindo até uma padaria um pouco distante. Existe sim uma perto de casa, mas que não oferece muitas variedades. Com a minha bolha, ando um pouquinho mais (ou, melhor dizendo, menos) e minhas possibilidades de escolhas entre broas, pães, bolos e tortas se multiplicam.
Mas nesse domingo em especial eu resolvi ir até a padaria da esquina mesmo. E, olhe só, por pouco não acho que errei de casa e estou em uma rua que não é a minha. Olha lá aquela casa, desde quando ela é verde? Nossa, a academia já começou a funcionar! Como está gordo o cachorro do vizinho E desde quando essa subida é tão íngreme? Enfim, um mundo de pequenos detalhes saltou aos meus olhos. E, justamente por serem pequenos, são imperceptíveis aos motorizados, preocupados com o carro da frente, o sinaleiro, o radar.
Na volta, a surpresa chega a ser maior, e mais dolorida. O muro da minha própria casa e sua trepadeira que já tem meio metro. Faz-me lembrar o dia em que meus pais a plantaram, com camisetas sujas de terra e sorrisos estampados no rosto. Parece tão recente! Mas eu não vi a trepadeira crescer. No muro da minha própria casa. Minha casa. O muro.
O que mais eu perdi?
* Nayara Brante é jornalista. Hoje, excepcionalmente, não publicamos a coluna do Cony.
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