Vivi meus primeiros 20 anos em uma bela casa de subúrbio, daquelas que, infelizmente, quase não existem mais no Rio. Da janela do meu quarto tinha uma linda vista: uma sequência de morros verdes, bucólicos, com pequenas construções aqui e ali.
Lembro de uma casinha azul, no meio da mata, e da minha vontade de um dia subir até lá, conhecer seus moradores. Ela ficava à beira de uma pedreira abandonada, um paredão de pedra no meio do verde.
Da janela do meu quarto eu via o Alemão naquela época, ainda não era o Complexo do Alemão. Era o lugar onde alguns de meus amigos de escola moravam.
As imagens exibidas pela tevê ao longo da tarde de quinta-feira me fizeram lembrar daqueles tempos. Vi o paredão da pedreira e as torres de transmissão de energia elétrica da minha infância e adolescência _agora, cenário de fuga para muitas dezenas de traficantes que, encurralados, tentavam escapar de uma bem montada operação conjunta entre as forças de segurança do Estado e a Marinha.
Dá uma tristeza profunda. Ao mesmo tempo, faz surgir uma ponta de esperança. Não podemos mais admitir que uma parcela da população da cidade pouco mais de 100 mil habitantes viva segregada. Censo domiciliar feito em 2009 pelo governo do Estado para estabelecer as prioridades do PAC (Plano de Aceleração do Crescimento) da região mostrou que seus moradores têm a mais baixa renda per capita entre os cariocas: R$ 257.
Deles, 64 mil declararam não ter nenhuma fonte de renda. Para muitos, o motivo que os impede de conseguir bons empregos é o preconceito: 34% de seus habitantes afirmaram já terem sofrido discriminação por residirem na região.
As imagens de hordas de traficantes armados fugindo pelas ruelas da Vila Cruzeiro são assustadoras. Paradoxalmente, mostram que é possível livrar o Rio dessa chaga.