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Na crônica de domingo, lembrei a exaltação de Voltaire quando soube do terremoto em Lis­­boa, em 1755. Ele contestava e questionava a existência de Deus, a sua justiça, a sua bondade. Afinal, os homens se encarregam de produzir as suas próprias tragédias, mas, no caso de um abalo como o do Haiti, eles são vítimas da fúria de uma natureza ensandecida. É, queiramos ou não, uma obra de Deus.

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Para punir, para alertar, para que tomemos conhecimento de seus insondáveis desígnios? Não importa. O desastre seria assim o alerta de um Deus aborrecido com os nossos pecados, em especial com os pecados de uma população que vive em estado de permanente miséria? Nada que lembre a chuva de fogo que varreu Sodoma e Gomorra, onde, segundo as escrituras, havia motivos para o castigo.

Bem, o pior parece que já passou no Haiti, a obra de Deus foi consumada. Resta agora a obra dos homens, e já temos os conflitos e confrontos da humanidade restante, inclusive a dos países que, num gesto de comoção, enviaram reforços e mantimentos para os sobreviventes.

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Com o seu poder militar e financeiro, os Estados Unidos colocaram-se numa posição de feitor da tragédia, alegando a quantidade e a qualidade de seus esforços para minorar a tragédia dos haitianos. A atitude de Washington melindrou outros países, inclusive o Brasil, que ali já está há tempos, em missão internacional de paz apoiada pela ONU. O velado confronto para saber quem é mais solidário e eficiente começa a provocar os desentendimentos que ampliam a tragédia natural, contra a qual nada podia ser feito.

Mas as picuinhas, as vaidades e, sobretudo, a truculência na distribuição de reforços e no policiamento de uma sociedade sem a estrutura de um Estado estão sendo obra dos homens.