Rio de Janeiro Quando voltou de Londres, onde trabalhou na BBC durante quase toda a 2.ª Guerra Mundial, Antônio Callado estava faminto de Brasil. Viu os bombardeios da cidade, o desmoronar de um mundo velho e achava que o pós-Guerra seria a oportunidade histórica para o Brasil deslanchar em termos de desenvolvimento social e material.
Pesquisou nossos índios, trazendo-os para sua literatura. Durante o regime militar, foi preso diversas vezes e proibido de escrever em jornais. Mas não perdeu a sua fé no Brasil. Sendo o único inglês da vida real, na definição de Nelson Rodrigues, ele confiava que um dia as coisas melhorariam, os homens melhorariam.
Cinqüenta anos depois, em 1997, três dias antes de sua morte, aos 80 anos, ele deu uma longa entrevista à Folha, confessando o desmoronar de suas esperanças. Não chegou a viver a era Lula seria uma desilusão a mais. Foi um dos desabafos mais cruéis do nosso tempo, sobretudo por vir de um homem culto, sem ambições pessoais, autor de "Quarup", um dos romances mais importantes de nossa literatura.
Guardo de sua entrevista uma frase que volta e meia gosto de citar: "A humanidade perdeu a sua âncora moral". Callado estava longe de ser um moralista. Como Montaigne, Pascal e santo Agostinho, dava ao homem a possibilidade de transcender seus objetivos materiais e elevar-se a um estágio superior à condição humana.
Trabalhei muitos anos a seu lado. Quando pedi demissão do jornal do qual ele era o diretor de redação, Callado se demitiu comigo. Na prisão em que estivemos juntos, ele passava o tempo lendo Proust. Se o Brasil tivesse uns cem Callados, certamente seria um país bem melhor, digno da esperança que ele cultivou durante toda a sua vida, até às vésperas de sua morte.