Rio de Janeiro Consumado (e assumido) espírito de porco, adoro remar contra a maré e embarcar em canoas furadas. Em matéria de cinema, por exemplo, acredito que seja o único a não gostar de "Quanto mais quente melhor", do Billy Wilder. Mas credito a ele duas obras-primas: no drama, o genial "Crepúsculo dos Deuses"; na comédia, o melhor filme italiano feito fora da Itália, "Avanti". Quanto mais o tempo passa, mais gosto de Billy Wilder.
O mesmo se dá com Deborah Kerr, falecida esta semana. Para a cultura massificada da plebe, sua grande cena é o beijo de "A Um Passo da Eternidade", de 1953, ela e Burt Lancaster rolando entre as ondas que se quebram numa praia deserta. Só no bravo cinema nacional já vi umas duzentas cenas parecidas e eventualmente melhores.
Mais erótico, terrivelmente sensual, é o papel de freira que ela faz em "Narciso Negro", de 1946. Eu havia saído do seminário, casto como uma donzela de teatro infantil. A atmosfera do filme era o vento e o convento no alto de um penhasco, fiquei perturbado com os closes do rosto aparentemente frio de Deborah então jovem. Saí do cinema acreditando que descobrira o que era uma mulher.
Mais tarde, outro choque do que pode haver dentro da mulher, de qualquer mulher. "Vacation from marriage", com Robert Donat, filme inglês, o casal enfadonho que se separa durante a 2.ª Guerra Mundial, cada qual indo para um front diferente. A metamorfose de Deborah Kerr é toda calcada em pequeninos detalhes que fazem brotar, no corpo de uma esposa envelhecida pelo tédio, a amante dilacerada pelo amor e pelo desejo.
Para prolongar as esperas, ela canta baixinho um sucesso de outros tempos, "These foolish things". Foram pequenas coisas que a fizeram grande e inesquecível.
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