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Matéria de memória. Recebo da editora as provas para a sexta edição de um romance antigo, escrito e publicado pela primeira vez em 1963. Posso ainda fazer alterações, mas me limito a suprimir alguns advérbios de modo e a alterar uma ou outra pontuação. Machado de Assis fazia melhor, mudava parágrafos inteiros, como confessa na terceira edição de Brás Cubas.Mesmo assim, fico em dúvida com certos detalhes. Um dos personagens contrata uma empregada por 80 mil cruzeiros, moeda da época, que hoje equivaleria, creio eu, a um e meio salário mínimo. Impossível e inútil atualizar nomes e coisas, como o do avião da Boac que traz outra personagem a bordo. Não há mais Boac, virou British Airways, antes era British Overseas Airline Company, codinome Boac.O possível leitor de hoje pode estranhar essas quantias e siglas, mas eram as do tempo em que escrevi o romance. Não afetam a história – ia dizer conteúdo, mas dá na mesma.Pior foi mesmo o agitado clima político da época. A esquerda já se considerava no poder. Conheci dois militantes que já haviam sido convocados pelo Darcy Ribeiro para ocupar o Ministério da Educação no governo de Jango. O movimento militar de 64, que estava a caminho, era ignorado pelos principais líderes, que tinham como certa a tomada do poder. Um de meus personagens faz referência a esse clima do já ganhou e quase entra em cana vivendo um conflito existencial que nada tem a ver com a situação política. Alguém me sugeriu uma nota ao pé de página, mas um livro de ficção não deve comportar esse tipo de esclarecimento. O leitor que compre a história tal como foi escrita, bem ou mal, não importa. Uma edição de Os Lusíadas teria mais notas ao pé de página do que texto original de Camões.

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