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Carlos Heitor Cony

No fio da navalha

Rio de Janeiro – Ela abordou, ou melhor, foi abordada por uma alemã, que vendia bolsas esquisitas, transformavam-se em jogo de gamão. A alemã era bonita, daquela beleza de mulher feita, que não precisa de outra coisa senão de si mesma, de seu corpo, de viver livremente pelas praias, queimada pelo sol e pelo vento que vem do mar.

Capim novo no pedaço, ela despertou o desejo da mulher que todos garantiam ser misteriosa e, simultaneamente, depravada. Até que ela resistiu. Resistiu enquanto pôde. Mas não pôde muito. Para falar a verdade, ela fazia péssimo juízo dos homens. Embora nunca tivesse experiência com outra mulher, achou que não custava nada um caso circunstancial, com uma estrangeira, que mais cedo ou mais tarde daria o fora sem deixar memória em seu afeto e em sua carne.

Deu-se mal. A alemã era experiente, não apenas lhe deu prazer mas alguma coisa mais, que ela tomou por amor ou coisa equivalente. Nunca havia sido amada, nem pela mãe e muito menos pelo padrasto. Sem falar no pai, que a repudiara. Tampouco tivera sorte com os colegas em seus tempos de faculdade, alguns casos, poucos, sem empolgação, apenas para ir na onda.

Com a alemã foi diferente e profundo. Tinha perícia e mistério. A começar pelo nome. Todos a chamavam Kat, baseados num estranho registro que ela deixara numa das pensões em que se hospedara. Criando suspeitas na recepção, fora obrigada a se identificar. Mas ninguém acreditava que ela fosse realmente Kathryn Ulmann. Nem mesmo ela. Para falar a verdade, era um nome esquisito, parecia inventado.

As duas se curtiram adoidadas, a alemã pela carne nova que encontrara. Ela pela experiência que nunca lhe passara pela cabeça, tronco e membros. Amou. Não foi amada. Tinha tudo, afinal, para ser uma mulher.

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