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Rio de Janeiro – Era uma vez uma vaca. Como todas as vacas, parecia exatamente uma vaca: tinha rabo, úbere, patas, cheiro, design convencional e tudo o que normalmente se entende por uma vaca. Acontece que, ao contrário das vacas e de certos homens, essa tinha opiniões. Eis a questão: uma vaca com opinião podia ter razão, mas não inspirava confiança. Era um perigo e, certamente, uma ameaça.

Deu-se que, depois de certo tempo e de certas opiniões, as autoridades acharam que ela exagerava. De início, as opiniões da vaca foram consumidas como fato mais ou menos extraordinário.

Ela deu entrevistas à televisão, apareceu no "Fantástico", respondeu à enquete das páginas amarelas, foi capa de revista e chegou a ser indicada para musa do verão em Ipanema. Perdeu para uma modelo que ia se casar com um segurança.

Depois de badalarem a vaca, ela foi ficando um pouco esquecida, embora tenha sido convidada para dar um curso sobre fenomenologia na USP. Ia gravar um disco com o Chico Buarque, mas os marqueteiros acharam melhor que ela descolasse outro parceiro – e foi assim que a vaca cantou emboladas caipiras com o Zeca Pagodinho. O disco foi editado por uma multinacional e vendeu horrores.

Mas – contestava a vaca, amarga e cética – ninguém tomava providências. Em vão ela dera importantes dicas para o bem dos povos, para a paz do mundo e do homem.

Em vão alertara a humanidade para o suicídio armamentista, para a poluição dos rios e mares, para a péssima qualidade de vida, enfim, ela falava exatamente o que todos falavam, mas tinha, a seu favor, a vantagem de ser uma vaca e, com isso, esperava obter melhores resultados do que os cientistas sociais e os cronistas da mídia impressa, falada e televisada.

Chamava-se Solange.

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