Rio de Janeiro Leitor zeloso do rigor histórico nas minhas crônicas corrigiu-me a propósito de texto publicado nesta semana sob o título "O tenor e o barítono". Segundo ele, e ao contrário do que escrevi, não foi o tenor que alertou para a ruindade do barítono, e sim o barítono para o tenor.
Citou a ópera de Leoncavallo "Os Palhaços", que começa com o prólogo cantado pelo barítono. Vaiado pela platéia, ele pede que todos esperem pelo tenor que vem logo a seguir e que é muito pior do que ele.
Apliquei essa história à rivalidade entre Rio e São Paulo em matéria de violência urbana. Continuamos sem saber qual é a cidade mais violenta. Os episódios recentes em São Paulo equivalem ao barítono que mereceu a vaia. Mas os cariocas não perdem por esperar.
Leoncavallo repetiu o truque de Hamlet, encenando uma peça dentro da peça para ver a reação da mãe e do padrasto que assassinaram o seu pai. Em "Os Palhaços" há também uma peça dentro da peça, ambas de fundo trágico. Tem alguma coisa a ver com a violência na qual duas peças foram simultaneamente encenadas: a violência dos bandidos contra a polícia e a violência da polícia contra os bandidos.
Duas peças sem heróis, apenas com vítimas de ambos os lados. Pouco a pouco, segundo o que se vê na mídia, a polícia está sendo considerada a vilã maior. E, pelo rodar da carruagem, mais um pouco será considerada a culpada única de tudo o que houve.
Não sei até que ponto esse episódio lembraria a "Ópera dos Três Vinténs", de Brecht. De qualquer forma, mais uma vez a vida imita a arte. Com uma vantagem para a arte: os palhaços da ópera chegam à um final de sangue, e o mesmo barítono desafinado do prólogo avisa à platéia: "La commèdia è finita".
Infelizmente, na vida real, nem a comédia nem a tragédia acabaram.
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