Rio de Janeiro – Pela vida afora, já me explicaram mil vezes o que é e como se forma o poder. Eu próprio fucei por aí, lendo entendidos e curiosos que trataram do assunto. Li os alemães, que são bons na matéria. Li tratadistas que trataram do poder e de sua fonte.

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Tanta e tamanha sapiência nunca me convenceu. A primeira noção que tive do poder foi um canivete que o pai jogou fora. Estava enferrujado e só tinha uma lâmina, com a qual o pai descascava laranjas o ano todo e as castanhas nas ceias de Natal. Não usava facas para isso, Ao contrário daqueles que crucificaram Cristo, ele devia saber o que fazia.

Apanhei o canivete no lixo, limpei-o, amolei sua única lâmina numa pedra cinzenta e porosa que tinha o óbvio nome de "pedra de amolar". Armado cavalheiro, sagrado com aquilo que os laudos do Instituto Médico-Legal chamam de "instrumento pérfuro-cortante", assumi o poder de todo o lado esquerdo da rua em que morava.

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Só não assumi o poder da rua inteira porque, no lado direito, havia um menino que tinha um canivete com duas lâminas. Uma delas era maior do que a outra. Aberto, o canivete parecia um siri com as duas garras metálicas.

Chamava-se Agenor. Acho que Agenor Fernandes Batista. Nunca tive um amigo com esse nome – desconfio que o motivo foi esse canivete mais poderoso do que o meu. Daí estabeleci toda a hierarquia do poder, que perdura até hoje. Anos depois, em Zurique, comprei um daqueles canivetes suíços que tem 48 lâminas e outras tantas serventias.

Dizem que é a arma principal do exército daquele país. Ninguém briga com a Suíça com medo de arma tão mortífera. Nunca esqueci aquele canivete de duas lâminas que me roubou o poder de uma rua. Uma rua que não mais existe, um poder que nunca tive.