Devido ao prazo do fechamento das edições dominicais, escrevo esta crônica no dia primeiro de maio, data que nos últimos anos me faz lembrar a doce figura de Otto Lara Resende, nascido num primeiro de maio (1922-1992). Também num primeiro de maio ele iniciou a publicação de suas crônicas neste espaço em que o sucedi, a princípio sozinho, depois em parceria com Ruy Castro.
A brutalidade de sua morte nos pegou distraídos. Todos os que o conheciam sabiam que ele era imortal, não exatamente por pertencer à Academia Brasileira de Letras, mas porque não podíamos imaginar o mundo sem ele.
Estar com Otto, falar com Otto, ver Otto era um evento na biografia de seus amigos. Ele tinha, em altíssimo grau, a modéstia e a esperteza de ser espertamente modesto. Este humaníssimo truque servia de núcleo ao mito que ele não criou, mas deixou que fosse criado por outros.
Ilha estanque como aquela ilha do poema de Jorge Lima , a turbulência do nosso dia a dia não chegava até ele. Aparava qualquer golpe, nele mesmo ou em outros, com a astúcia atávica e simpática dos mineiros.
Tornara-se querido e indispensável entre os que o conheciam, mas nunca se vulgarizava. Rubem Braga dizia que Otto "era como um passarinho, do primeiro que o pegasse".
Conheci-o quando Ênio Silveira nos juntou num livro coletivo, em 1960, Os Sete Pecados Capitais. Guimarães Rosa fez a "Soberba", eu fiz a "Luxúria", Otto fez a "Avareza".
No dia em que Ênio nos reuniu na editora para fazer o pagamento do cheque contratual, Rosa e eu ouvimos dele uma de suas frases habituais: "Duzentos cruzeiros para fazer luxúria, até que vale a pena. Para fazer soberba é ridículo. Para fazer avareza, é um insulto".
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