Rio de Janeiro – Antigamente, em cada bairro, em cada rua, havia um sujeito que tinha a fama (ou a glória) de ser lobisomem em noites de lua cheia. Havia sempre um corno em evidência, um bicheiro aposentado, um ex-padre amasiado com a empregada, um candidato a vereador eternamente derrotado. Mas o espécime mais notório era o cara que se transformava em lobo e andava pelas ruas uivando contra as estrelas.

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Inspiravam mais pasmo do que horror. O sujeito até que não fazia nada de especial, mas todos o evitavam. Mesmo assim eram procurados, sendo bons em dicas que davam sobre o jogo do bicho. Seu Almeida acertou um milhar e atribuiu a façanha ao palpite que recebera do Sacadura – um tipo alourado e sem dentes que já fora visto em forma de lobo pulando a janela de uma tal de Moerís, mulher de um amanuense da Marinha de Guerra.

Não havia mulas-sem-cabeça nas ruas do Rio bucólico de outros tempos. Nem sacis – que eram exclusividade do interior mais profundo, do Rio Meriti para cima. Mas sobravam lobisomens, que eram apontados nas ruas como os cornos. Muitos deles acumulavam as duas funções, cornos de dia e lobos em noites de luar.

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Não havia balas perdidas naquele tempo. Morria-se de gripe, de pulmões avariados, de aneurismas arrebentados, de mortes decentes, que provocavam enterros decentíssimos, com direito ao pranto aberto e ao luto fechado. As viúvas ficavam mais apetitosas com as meias pretas e aquele véu cobrindo o rosto.

Receberei e-mails reclamando que não escrevo sobre os manetes do Airbus, as pistas ensaboadas dos aeroportos, os bois do Renan, as dificuldades do ministro da Defesa em acomodar seu 1,90 m nas poltronas da classe econômica. Preferi falar dos lobisomens. Terror por terror, eram mais inofensivos.