O amor não é uma emoção; ao contrário, ele é a fonte de quase toda emoção digna. Pode-se chorar de amor, rir de amor (menos comum e bem mais gostoso), sentir saudades, raiva, mágoa; tudo por amor. O amor é fundamentalmente uma entrega. Entrega de si tão total quanto maior for esse amor, ele é como arrancar o próprio coração – ou outras partes do ser – e colocá-lo, pingando sangue, diante do altar do ser amado.
O amor espera resposta, no mais das vezes inutilmente. Espera reconhecimento, que muitas vezes não vem. Espera, quase sempre inutilmente, perfeita correspondência. O amor espera, e é de esperar que vive o amor. Como uma mocinha sentada num banco eternamente à espera, como uma barriga de grávida esperando o choro amado do nascimento, o amor é a espera que decorre da entrega a outro.
O ser amado não sou eu. Amor-próprio é o antônimo do amor, cujo contrário é a indiferença
O ser amado não sou eu. Amor-próprio é o antônimo do amor, cujo contrário é a indiferença. O amor consiste em dar-se a quem não é si próprio, e velar pelo ente amado, e esperar que ele chegue da rua, rir quando ele sorri e chorar quando ele dói. É sempre outro; e os outros, sabemos todos, são muito desobedientes às nossas vontades e aos nossos desejos mais verdadeiros. Entregamos-lhes um coração, que eles amarram à sela do cavalo e partem rumo ao poente, como um escalpo num filme de faroeste. Entregamos-lhes uma alma, que eles picam e misturam na farofa para comer mais tarde. Entregamos-lhes nossa própria vida, e ela é deles para que façam com ela o que quiserem. Assim é o amor.
Ele dói.
Dói por ser primeiro um arrancar de um pedaço de si. Em seguida, ele dói pela privação do pedaço arrancado. Pelo resto de nossos dias, ele lateja ou dói lancinantemente, de acordo com os movimentos daquela tornozeleira eletrônica com GPS que mantém prisioneiro de outrem aquele pedaço de nós. Não há como não doer: a gente sabe pela dor que o amor existe, não pelas demais emoções, que o mero interesse consegue imitar tão bem. Amor de verdade dói, dói e espera, amarrado na sela do cavalo daquele outro a quem demos tudo.
E, paradoxalmente, viver é amar. Quem não ama não está verdadeiramente vivo, não está senão como um visitante a flanar pelas ruas da vida sem que jamais seus pés toquem no chão, sem que o cafezinho do bar tenha cheiro ou calor, sem que nada seja capaz de vencer sua sobranceira indiferença de não amante. Quem ama sente, como disse, todas as emoções, e é no amor e pelo filtro do amor que elas são vividas e lembradas. É no amor e com as cores que lhe dá o amor que percebemos cada detalhe do dia, que se torna alegre ou triste, ensolarado ou chuvoso de acordo com o que nos manda dizer, por um moleque de recados, aquele pedaço da nossa alma que está por aí a vagar. Por causa do amor.
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