Nada menos brasileiro que a divisão artificial que vem se levantando por motivos políticos entre os apoiadores remanescentes do falecido governo petista e aqueles que, como eu, ficam felizes ao vê-lo na lata de lixo da história, que é o seu lugar. Note-se: minha revolta é com o desgoverno, com a roubalheira desenfreada, com o uso de recursos públicos brasileiros para bancar ditaduras “amigas” e todo o resto da infinita ladainha de malfeitos petistas. Não tenho nada contra os eleitores do Lula, assim como não tenho nada contra fãs de gêneros de música que não me agradam.
Mas infelizmente esta não está sendo a prática da moda. Em parte por conta dos algoritmos das redes sociais, que procuram esconder de nós qualquer coisa da qual possamos discordar, e em parte – importante! – por imitação da divisiva política americana, a demonização mútua de “petralhas” e “coxinhas” está fazendo muito mal ao Brasil. No contexto americano, cada grupo acredita em uma listinha diferente de “mandamentos” que estariam ao alcance da lógica – e, portanto, quem não acredita neles é burro, incapaz de pensar logicamente, ou malvado ao ponto de entender os mandamentos e ir contra eles. Quando o adversário ou, pior ainda, o apoiador do adversário é necessariamente burro ou mal-intencionado, não há jeito de conversar.
A demonização mútua de “petralhas” e “coxinhas” está fazendo muito mal ao Brasil
Mas conversar é o que nós, brasileiros, fazemos melhor. Enquanto a colônia espanhola ao nosso redor quebrou-se em pedacinhos inimigos uns do outros, o Brasil se manteve inteiro justamente por conta desta nossa capacidade de conversar, de lidar com o contraditório, de rir das diferenças e tomar juntos uma cerveja falando de outra coisa. Aqui a independência é feita pelo filho do rei, e a República é proclamada por um monarquista. Não achamos que quem pensa diferente seja necessariamente burro nem mal-intencionado. Sabemos reconhecer as diferenças e lidar com elas sem traumas. Sabemos até mesmo que é perfeitamente possível que os burros sejamos nós mesmos.
O mecanismo mental americano, ao contrário, é divisivo ao extremo. Trata-se, não podemos esquecer, de um país que praticamente começou com uma Guerra Civil extremamente sanguinária. A divisão, o embate aberto e sem tréguas, está no seu DNA cultural. É o oposto do nosso. Aqui entramos a contragosto nas guerras dos outros, e quando fazemos guerra estamos mais interessados em aventuras para contar aos amigos que na própria vitória. Esta é a nossa riqueza. Somos um país que sabe viver e sabe respeitar e submergir as diferenças num mar de compreensão. Ninguém aqui é 100% preto ou 100% branco, ninguém aqui nem sequer pode arvorar-se completamente puro em qualquer quesito louco que se queira. Somos uma nação de vira-latas, graças a Deus.
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