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Tolkien escreveu que cônjuges são “companheiros de naufrágio”. Poucas metáforas são tão aptas: o casal vive em conjunto o naufrágio da própria natureza humana, marcada pela concupiscência e tantas vezes surda à razão; perfaz uma sociedade miniaturizada, nuclear, em que se reproduzem os conflitos e as soluções das sociedades maiores; expressa em gestos e atitudes a esperança que sobrepuja o momento e faz do amor nascer a próxima geração. O casamento é voltado para o futuro: para os filhos, para os netos um dia, para a velhice dos noivos, para a perpetuação da espécie e da sociedade. É um voto de esperança, uma abertura ao amanhã.

Nada nele é fácil; fora dos contos de fadas, não existe “e foram felizes para sempre”. A vida de casal é uma perpétuo movimento de abertura ao outro e negação de si mesmo, cedendo mais do que pareceria possível em qualquer outro contexto, numa união em que quanto mais nos doamos mais recebemos. É por isso que, quando nos casamos, juramos estar juntos “nos bons e nos maus momentos”. Eles se sucedem e se alternam, sem lógica definida, e é o apoio mútuo nos maus momentos que torna possível o gozo pleno dos bons momentos. Mais ainda, diria eu: é aquele que torna estes possíveis.

Enquanto houver vida, um e outro a cuidam e alimentam como uma vela numa tempestade

O casamento tem um início claro, festejado e perfeitamente definido: a hora em que, diante de Deus e dos homens, aqueles dois jovenzinhos entregam-se um ao outro. A pele viçosa, os cabelos negros, os músculos fortes, com a vida pela frente, e cada um deles deixa de ser dono de si mesmo, entregando-se, ao contrário, àquele que por sua vez entrega-se a ele. A mão que se pede e se dá é lisa e forte, mas um dia será enrugada e frágil. O corpo que acompanha a mão, por definição, é fértil e potente, mas um dia estará fraco e ressequido, ainda ao lado daquele com quem se fez essa mútua doação. A mente, jovem, tem certezas candentes e pouca razão, mas ao lado da de seu cônjuge aprenderá ao longo dos anos até que alcancem juntas uma sabedoria que só os anos podem trazer.

Não há, todavia, um fim planejado. O casamento não acaba enquanto houver vida; aqueles jovenzinhos tornam-se adultos, pais, avós, membros plenamente produtivos da sociedade, e estarão juntos até que a morte os separe. Qualquer outra coisa que os separar será percebida como um ataque, uma traição àquele voto tão mais verdadeiro por ter sido feito no calor da juventude. Enquanto houver vida, um e outro a cuidam e alimentam como uma vela numa tempestade, crescendo lado a lado, envelhecendo lado a lado, santificando um ao outro.

Nesta quinta faz exatamente 20 anos que eu, então um rapaz de barba preta, me entreguei a uma linda mocinha. Em troca, ela me deu o melhor presente que já recebi: ela mesma. Deus é bom.

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