Ao contrário do discurso divisivo com que o PT tentou (ainda existe PT, para que se possa usar o presente do indicativo?) reformular a política brasileira, aqui não há nem luta de classes, nem luta de “raças”, nem sequer, a não ser que haja muita provocação, disputa política verdadeira. A política partidária no Brasil sempre foi campo de interesse restrito à classe média urbana. No interior os “partidos” são completamente pessoais (Partido do Fulano ou do Beltrano, com siglas que mudam a cada eleição), e mesmo nas capitais o grosso do eleitorado nem sequer toma conhecimento das disputas políticas. A ideia de que se pode trocar de governante quando o que lá está não satisfaz soa tão absurda para as classes mais baixas quanto seria trocar de pai ou de mãe. O máximo que pode ocorrer é a vassalagem pessoal a algum político, normalmente na política municipal ou estadual, mas mesmo isso é estatisticamente raro.
No Brasil passeata é coisa de classe média, mas luta de classes não passa de sonho erótico de petista frustrado
É por isso que de nada vale a “acusação” feita pela esquerda, horrorizada ao perceber que perdeu as ruas no domingo passado. Quem foi às ruas no Brasil sempre foi a classe média. Era ela que estava nas Diretas Já, e era ela que fazia campanha de graça para o PT, no tempo em que o partido ainda tinha militância ideológica real e não precisava alugar o lumpesinato com mortadelas e merrecas para engrossar as fileiras de dirigentes sindicalistas e acadêmicos, que são só com quem eles ainda podem contar. Só há passeatas de classe média, no Brasil. Só há pensamento ideológico e participação política eleitoral moderna na classe média. Os ricos compram políticos quando necessário, e os pobres têm mais com que se preocupar; quem vive da mão pra boca não tem tempo para correr atrás de delírios utopistas. Sobrou a classe média, e ela estava em peso nas ruas do Brasil domingo passado. As poucas pessoas sem interesse pessoal imediato (mortadela!, ou um cargo comissionado...) que formarão as minguadas fileiras das manifestações petistas previstas para sexta-feira também serão de classe média. É só ela que faz política no Brasil.
Mas isso não significa que haja um confronto de interesses. Não é por apoio a Lula e sua “representanta” que as classes mais baixas não vão a passeatas, mas por razões culturais. No Brasil passeata é coisa de classe média, mas luta de classes não passa de sonho erótico de petista frustrado. O “povo” que vai pra rua foi pra rua domingo. O que não vai não foi, mas tampouco irá na sexta para apoiar o PT.
A classe média que formava as fileiras de militantes ideológicos do PT o abandonou. Sobram-lhe apenas os mesmos pseudoprosélitos dos demais políticos populistas: o lumpesinato de aluguel e os vassalos pessoais de ocupantes de cargos públicos.
O sonho acabou.