Quando nascemos, nascemos com dor. Ela é percebida pelo neném como um susto, algo inesperadamente ruim depois de nove meses de proteção na barriguinha quente da mãe. Na primeira infância, a dor continua sendo aquela coisa horrível e inexplicável, que surge do nada e faz a criança se esgoelar de berrar, desesperada por o mundo subitamente ter-se transformado em algo mau. Com o tempo, todavia, aprendemos a conviver com ela, ou ao menos a reconhecer do que se trata, na maior parte dos casos, e assim conseguir uma maneira de amenizá-la. De bolsas de água quente à cachaça, passando pelos analgésicos e pelo chocolate, tudo vale.
E, quando crescemos, aprendemos que há dores piores que a mera dor física, a dor de cabeça que não passa ou o dedinho inchado da topada que encontra amorosamente toda quina de móvel que se apresente. Há dores da alma, dores que podem nos dilacerar e nos transformar.
Cada pessoa tem o seu jeito de lidar com a dor, ou mesmo de recusar-se a fazê-lo
O que sairá de dentro da alma rasgada, isso não se sabe. Cada pessoa tem o seu jeito de lidar com a dor, ou mesmo de recusar-se a fazê-lo. Há quem a engula e procure não pensar muito nela para não enlouquecer. Há quem a abrace desbragada e sofregamente, como um afogado a um pedaço de madeira que flutue. E há, ainda, quem faça da dor combustível para outra coisa: para o ódio ou para o amor, a dor é sempre combustível poderoso. Com dor, é mais fácil odiar a todos e viver como se se tivesse cocô de cachorro preso ao bigode, sentindo fedor por toda parte e acusando a todos de terem pisado em algo. Com a dor, do mesmo modo, é paradoxalmente mais fácil amar e perceber no outro, mesmo em quem tenha causado a dor, uma pessoa complexa com suas dores e razões a competir e motivar.
O que não dá certo, e não pode dar certo, é a tentativa de anular a dor, e viver como se a dor não existisse: o que faz da dor dor é o fato de ela existir. A dor é mais presente na alma que o pensamento cartesiano; este é como a respiração, de que só nos damos conta quando a falseamos. Já a dor é presença. A dor ocupa todos os espaços, e não há analgésicos bastantes para anulá-la e fazer com que ela pareça nunca ter estado ali.
A grande diferença entre o cristianismo e todas as religiões que vieram antes ou depois dele é que nele a dor tem sentido salvífico. Ela não é uma vingança dos deuses, mas um presente que podemos ofertar, um sacrifício que podemos somar ao Sacrifício maior. Este sentido transcendental da dor permite ir além das limitações da estupenda farmacopeia humana. Não há analgésicos para a dor da alma, nem os há para as dores físicas maiores. Elas podem, contudo, ganhar sentido e ser percebidas como nossas irmãs, como algo dado por Deus para que possamos dar-Lho de volta transformado em amor.
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