Imediatamente após os atentados da sexta-feira 13, começou a grita politicamente correta contra a “islamofobia”, com a típica arrogância de quem nunca leu o Corão, mas paternalisticamente repete que os terroristas “o interpretam mal”. Evidentemente, é errado culpar a todos pelos atos de alguns, mas não é este o problema.
Pouco mais de 200 anos atrás, a França começou uma experiência social única: a construção de uma sociedade em que um dos elementos essenciais do homem como indivíduo e como ser social, a religião, estaria ausente. Aproveitando a separação operada pelo cristianismo entre o que é “de César” e o que é “de Deus”, a Revolução Francesa negou a este, no máximo tolerando-o como assunto de foro privado, e inserindo todo o social naquele. A religião foi expulsa da esfera pública, deixando um aberrante vácuo.
Com o fim das colônias, em meados do século 20, a imigração muçulmana levou à Europa enorme quantidade de gente para quem simplesmente não faz sentido a separação entre o que é de César e o que é de Deus. No Islã tudo é de Alá, inclusive o próprio César. O Corão é ao mesmo tempo catecismo, breviário, código penal, código civil, constituição e manual de vida, com minúcias que incluem com que mão se deve levar a comida à boca.
O Corão é ao mesmo tempo catecismo, breviário, código penal, código civil, constituição e manual de vida
Sem a alternativa de adotar a religião local, expulsa da esfera pública pela estranha experiência social do laicismo, e rejeitando por absurdo o ateísmo militante de seus anfitriões, os recém-chegados abraçaram a língua, o modo de se trajar, a tecnologia, a música, a gíria; tudo, menos a religião. Esta continuou sendo a muçulmana, até por falta de alternativa.
Ora, a imensa maioria dos muçulmanos não leva a religião muito a sério: nisto eles são como a maioria dos católicos, budistas, xintoístas ou judeus. O problema é que o católico ou budista que leve a sério a religião irá provavelmente se trancar em um convento e não incomodará ninguém. Já o muçulmano que leve o Islã a sério se vê obrigado em consciência a derrubar o governo civil e substituí-lo por uma teocracia islâmica em que adúlteras são chicoteadas e o furto é punido com a amputação de uma mão. É possível diferir nos meios, mas não na busca da teocracia. O Islã levado a sério dá medo, e não se trata de uma fobia irracional.
Estatisticamente, sempre há quem leve a sério suas crenças, e a experiência francesa gerou multidões de radicais muçulmanos com certidão de nascimento e passaporte europeus. Milhares deles foram para a Síria juntar-se ao Estado Islâmico, mas muitos mais permaneceram na Europa com o coração em Meca. Alguns destes chacinaram uma multidão em Paris na sexta-feira 13. Outros virão: o Islã é incompatível com a democracia, e o problema é este.