A mulher da minha vida chegou em casa, outro dia, comentando da conversa que entreouvira numa sala de espera de médico. Algumas senhoras, uma delas acompanhando o marido, falavam sobre os problemas que tinham para fazer com que seus digníssimos cuidassem da saúde de acordo com o sempiterno Padrão Feminino de Qualidade, que no mais das vezes é radicalmente diferente do Padrão Ogro, seguido pela maioria dos barbados.
Uma se queixava de que o marido fizera uma consulta médica aos 30 anos, quando descobrira que tinha a pressão alta, e desde então nunca mais voltara ao médico, limitando-se a tomar o mesmo remédio que então lhe fora receitado e certamente considerando-se por isso pessoa muito precavida. Outra lamentava-se de que não conseguia arrastar seu cônjuge para um checape completo.
Os bobos acham que o casamento é a celebração de algo presente
Calada, por não ser mulher de entrar em conversa alheia, minha esposa completava mentalmente: o primeiro marido, o que tomava sempre o mesmo remédio, acabaria por enfartar. Como ela sabia? Ora, é o que ocorreu, exatamente, sem tirar nem pôr, com o dela. Sim, eu mesmo. Já o da segunda, bom, acabaria tendo lá os seus problemas, que ela também podia sem dificuldade alguma prever. Do alto de seus 20 e poucos anos de casada, ela já passara por aquelas etapas do envelhecimento lado a lado que constitui, na verdade, o cerne do matrimônio.
Os bobos acham que o casamento é a celebração de algo presente – geralmente o amor, quando não um mero desejo. Na verdade, contudo, o matrimônio é uma união de seres complementares para que, ao longo dos anos, eles não se entendam, mas se ajudem. O homem sem a mulher morre cedo; a mulher, sem o homem, perde-se em minúcias. Os dois juntos sofrem, evidentemente, mas têm este sofrimento abrandado pela convivência com o seu complementar. O homem – sei bem isso, por experiência própria – sossega por ter ao seu lado a mulher que ele um dia jurou amar e proteger, nos bons e nos maus momentos. Sem ela ele estaria, que sei lá eu, combatendo o Estado Islâmico. Enfartado e com duas pontes de safena, aos 50 anos. Não parece bom negócio.
A mulher, por sua vez, passa pelos mesmos problemas por que passaram todas as suas antecessoras, tentando cuidar daquele ser incuravelmente teimoso, que à rotina de manutenção prefere sempre a ação drástica e pontual.
Um enlouquece o outro, o outro enlouquece o um, e assim ambos conseguem, pela graça de Deus, manter a sanidade e seguir adiante, tendo filhos, criando-os, mimando os netinhos e, finalmente, um dia, partindo desta para uma melhor. Será, então, a vez de outra geração recomeçar, de outras mulheres descobrirem as mesmas coisas que as moças da sala de espera comentavam. Assim é a humanidade.
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