Nas cortes medievais havia uma figura interessantíssima, que servia para dizer, sem o peso da responsabilidade, verdades que precisavam ser ditas. Era o bobo da corte. Ao contrário do que se pensa hoje em dia, o bobo da corte de bobo não tinha nada. Era um crítico feroz, que por fazer suas críticas vestido com uma fantasia ridícula e em meio a palhaçadas não corria o risco de incorrer na ira do rei ou de cortesão poderosos; afinal, ele era apenas um bobo.
Hoje faz falta esta figura. O mais próximo que temos disso na política nacional é o deputado Bolsonaro, que, por manifestar-se sempre em tom iracundo e desbocado, é facilmente desprezado pelos donos do poder. Mesmo assim, as verdades que ele diz merecem ser ouvidas, apesar do tom em que as profere. E, apesar da facilidade com que ele pode ser percebido como caricato, não falta quem se sinta ofendido.
Em alguns casos, a ofensa chega a ser ilógica: o deputado atacou, com razão, uma nova tentativa de mudar o mundo pela força do Estado: a ressurgência do que ele mesmo apelidou de "kit gay". Trata-se de um material "didático" que visa ensinar às crianças que, contrariamente ao que sempre se pensou e que provavelmente pensam seus pais, a relação homossexual é exatamente equivalente ao matrimônio.
Ao atacar essa nova tentativa de usar os homossexuais como bucha de canhão para aumentar o poder do Estado, aventou o deputado que talvez a presidente (desculpem, mas só escrevo "presidenta" quando puder escrever "estudanta") seja homossexual.
A grita foi feroz! Mostrando claramente que a pregação de amor à homossexualidade é da boca para fora, o PT acusou o deputado de agir "com total desrespeito à pessoa" da presidente, pediu que a Comissão de Ética entre em ação, e tudo o mais. Ora, ou bem a homossexualidade é algo que se deva abraçar e festejar (como o PT prega), ou como sempre foi o caso na cultura brasileira é algo que se tolera, sem que se apregoe nem que se agrida. Neste segundo caso, e só nele, cabe acusá-lo de desrespeito.
Se se aceita, contudo, a pregação dos que querem se servir dos homossexuais como peões descartáveis, não há desrespeito maior em aventar que a presidente seja homossexual que em dizer, por exemplo, que ela talvez prefira vinhos tintos a vinhos brancos, ou caminhadas à musculação.
É por isso que convém prestar atenção ao que diz o bobo da corte: não só no que ele diz há verdades em meio aos destemperos, mas as reações às suas palavras ajudam a perceber as verdadeiras cores de muitos cortesãos.
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