Já morei em lugares muito provincianos. Nestes, as pessoas ignoram o mundo lá fora e só se interessam por notícias que envolvam nativos da província. As peculiaridades daquele lugarejo são consideradas hábitos universais, e não lhes passa pela cabeça que se possa fazer diferente.

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Há, também, o provincianismo temporal. Na verdade, ele é apenas uma versão exacerbada do mesmo, que em vez de meramente ignorar o mundo lá fora se nega também a ouvir as gerações anteriores. É o que vemos hoje na peculiar loucura provinciana que acomete a nossa sociedade: coisas inimagináveis aqui mesmo há poucas décadas – e que ainda o são alhures – são agora praticamente obrigatórias; enganos e engodos sociais tornam-se pedra de toque do que passa por civilização; novidades peculiares, localizadas e estrambóticas fazem as vezes de ortodoxia e ortopráxis.

Na nossa periferia do Ocidente, hoje tomado por um provincianismo radical, a coisa fica duplamente preta; o discurso provinciano do centro do Império é imposto à força, sem que haja instituições formais fortes o suficiente para fazê-lo valer na prática. É muito mais fácil perceber daqui, por exemplo, o absurdo do provincianíssimo discurso do Obama na África, em que ele censura aos africanos não aceitar os delírios peculiares do seu país.

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O provincianismo temporal se nega a ouvir as gerações anteriores

Ora, hoje e sempre, para a imensíssima maioria da população do mundo, “casamento” é a união de um homem e uma mulher para ter filhos e criá-los e para auxílio mútuo, principalmente na velhice. Afinal, é assim que as sociedades se perpetuam. Casamento não tem nada a ver com paixonite adolescente ou com prazer venéreo. Na verdade, a maioria dos casamentos em várias partes do mundo é arranjada por um casamenteiro, ou diretamente pelos pais dos cônjuges. Não é o hábito cultural da nossa província, mas o resultado acaba sendo o mesmo dos nossos métodos tradicionais de encontrar um cônjuge: filhinhos correndo pela casa, um casal que envelhece lado a lado, perpetuação da sociedade.

Uma versão moderna desse hábito, aliás, faz sucesso por aqui: os sites em que as pessoas se inscrevem, anunciando seus interesses e gostos e até recebendo sugestões de possíveis parceiros não deixam de ser “casamenteiros virtuais”. Não é nossa tradição, mas é outro meio de chegar ao mesmo casamento. A baixíssima taxa de divórcios da Índia pode indicar que a coisa funciona.

É essa universalidade do que é humano que nos ajuda a ver o absurdo do grotesco provincianismo que faz com que se tome algo peculiar à cultura ocidental atual – a preexistência do afeto antes do matrimônio – e se o confunda com o próprio casamento, ao ponto de se tentar “casar” pessoas do mesmo sexo ou até seres humanos e animais. Bastaria olhar em torno.

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