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Realidade e subjetividade

Uma senhora nos Estados Unidos foi desmascarada outro dia. Segundo os estranhíssimos critérios americanos, ela seria branca e estaria se passando por negra. Dotada de algum talento teatral, ela encaracolou os cabelos, fez um bronzeamento artificial, e aí foi só partir para o abraço, tendo chegado a ocupar cargos altos em movimentos racialistas.

Lá há uma diferença cultural real entre ditos negros e brancos, por ser uma sociedade que agrupa separadamente as pessoas pela ascendência. É possível saber a qual grupo uma pessoa pertence pelo sotaque, pelas músicas que ouve, roupas que usa etc.

A grita foi generalizada, mas o mais engraçado foram as tentativas de evitar as evidentes comparações com as pessoas que dizem ter mudado de sexo. Afinal, qual seria a diferença essencial entre um homem que faz modificações estéticas para parecer uma mulher e uma branca que faz modificações estéticas (ainda que não cirúrgicas) para parecer negra?

Ora, a diferença é clara: “raça” é um conceito arbitrário. O que os americanos entendem por “raça” é um conjunto de características predominantemente culturais: sotaque, moda e interesses, com ínfima contribuição de fatores puramente estéticos, como tipo de cabelo. O que os nazistas chamavam de “raça” era muito diferente, sendo possível a alguém ser judeu sem o saber, por exemplo, e impossível deixar de sê-lo (por exemplo, pela conversão ao cristianismo, que os próprios judeus consideram uma forma de abdicar da pertença ao povo judeu). Aqui no Brasil a “raça”, para quem acredita nessas besteiras, seria um mero conjunto de fatores estéticos, normalmente desconectado de quaisquer fatores culturais. As exceções, como a expectativa de que japoneses sejam industriosos, mais confirmam que negam a regra.

Nos EUA há uma diferença cultural real entre ditos negros e brancos, por ser uma sociedade que agrupa separadamente as pessoas pela ascendência

O sexo a que alguém pertence, todavia, não é algo arbitrário. É um conjunto de características que permeia todo o ser, desde o psicológico até o genético. Cada célula do corpo diz se alguém é homem ou mulher; as capacidades dos sentidos são diferentes, os modos de raciocinar são diferentes, os talentos e interesses são diferentes... Sexo, em suma, é algo que existe objetivamente.

Uma “mudança de raça”, numa sociedade como a americana, seria algo análogo a uma conversão religiosa; é provável, aliás, que tenha sido este o caso da senhora americana. Seria uma mudança em alguns critérios elementares de percepção da realidade, no modo de reagir ao entorno, nas lealdades e, em grau diminuto, na aparência estética.

Todas estas tentativas de construir subjetiva e artificialmente uma fluidez que não existe objetivamente – na cultura americana da “raça” como na biologia do “gênero” – são, em última instância, formas de negar a realidade objetiva.

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