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Carlos Ramalhete

Relógio biológico

Nossa sociedade tem o vício de ignorar e desrespeitar a realidade. Por exemplo: se está quente, ligamos o condicionador de ar. Todos nós o fazemos. E são tantos deles, todos jogando para fora da casa ou do carro não só o calor do ambiente como o gerado pelo motor do aparelho, que a cidade fica ainda mais quente. Aí compramos um ar-condicionado ainda mais potente, que joga ainda mais calor lá fora.

Outro desrespeito à realidade, com consequências ainda mais tristes, é o que vem sendo feito pelos casais que ignoram o relógio biológico da mulher em função de compromissos sociais. O momento em que a mulher está pronta para ter o primeiro filho, com maior facilidade de engravidar e de levar a cabo uma gestação saudável de um bebê sadio, com um parto sem problemas, é aproximadamente em torno dos vinte anos de idade. É por isso que em qualquer sociedade funcionando direito uma moça que chegue solteira e sem filhos aos 24 será vista como alguém que deixou passar a oportunidade.

A faculdade pode esperar. O concurso também. A casa própria, o carro, tudo isso é secundário

Como em tudo na natureza, não há um corte abrupto: é possível, ainda que muitas vezes perigoso, engravidar bem antes disso; do mesmo modo, é muitas vezes possível, ainda que mais difícil e ainda mais perigoso, engravidar pela primeira vez mais tardiamente. O período ótimo, todavia, é o que eu apontei acima.

O que fazemos, contudo, é frustrar a reprodução tomando hormônios todos os dias por anos a fio até que chegue a hora em que seja socialmente aceitável a moça casar. Primeiro a faculdade, muitas vezes o mestrado, o concurso; muitas são as razões, todas perfeitamente racionais. Pena que o corpo não conheça razão. Depois do casamento, é comum que haja ainda alguns anos para o casal “aproveitar”. O resultado é o que se vê por toda parte: moças de trinta, trinta e tantos, que decidiram que “chegou a hora”… mas esqueceram de combinar com o relógio biológico. É frequente que obstáculos que seriam ultrapassáveis alguns anos antes aumentem ao ponto de impedir uma primeira gravidez fora do prazo.

Quando finalmente conseguem ter um neném – e muitas, muitíssimas, não conseguem –, é praticamente impossível que tenham a disposição de uma mãe de 20 anos de idade. Criança pequena cansa, e uma mulher de 35 anos não é mais uma menina. A compreensível exaustão dos pais faz com que a chance de dar um irmãozinho ao primogênito diminua ainda mais, para prejuízo da criança, da sociedade e do casal.

É por isto que lanço este apelo: a faculdade pode esperar. O concurso também. A casa própria, o carro, tudo isso é secundário. É muito melhor ter o primeiro filho quando se é jovem, forte e pobre que tê-lo tarde, ainda que financeiramente confortável. A escolha inteligente é respeitar o relógio biológico da mulher.

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