Como de tudo, é possível tirar algum ensinamento da semana de horror vivida pelos capixabas, devida à ausência da Polícia Militar. A primeira destas constatações há de ser a extrema dependência que a nossa sociedade tem da PM. Em uma sociedade civilizada, o normal das pessoas não invadiria lojas para roubar televisores, por exemplo; tal comportamento seria o triste apanágio de uma minoria criminosa. Já aqui e hoje bastou retirar esse superego fardado que é a PM para que pais e mães de família se dedicassem ao saque. Não há razões para crer que o que ocorreu no Espírito Santo tenha sido um fenômeno exclusivamente local; isso já aconteceu em outros países, pobres e ricos, e é um fenômeno estudado pela psicologia de massas.
A segunda constatação é a da fragilidade das instituições modernas diante das tradicionais. O que parou a PM não foram sindicatos ou outros agentes políticos estabelecidos, e sim as próprias esposas, acampadas diante dos batalhões e decididas a não os deixar sair. Desobedecer ao comandante é possível; à esposa, não. A ausência de um comando estruturado das esposas, inclusive, certamente prolongou a crise mais do que o esperado simplesmente por não haver com quem o Estado negociar.
anomia crescente no país inteiro não pode ser combatida com mais centralização de responsabilidades
Finalmente, o macabro carnaval da cidade sem civilidade e sem superego fardado levou a mais de 140 mortes. Dentre elas, a maioria é do mesmo tipo que perfaz o grosso das estatísticas de homicídios em qualquer parte do planeta: bandidinhos pé-de-chinelo, mortos por colegas de profissão ou concorrentes. A parcela da população, em suma, de quem se espera que vá saquear lojas de eletrodomésticos só porque não há uma patrulhinha na porta. As pessoas honestas mortas são quase uma nota de pé de página na estatística.
A anomia crescente no país inteiro não pode ser combatida com mais centralização de responsabilidades. Quem é tratado como criança irá se comportar como criança, e é isso que vimos no Espírito Santo: uma sociedade em pânico porque a babá não estava, com a mais grave falência da ordem institucional, como se essa fosse exclusivamente mantida pela polícia. Ora, quantas vezes por ano é preciso que a PM impeça saques a lojas de televisores?
A sociedade precisa retomar as rédeas de sua própria defesa e de sua própria civilidade ou manifestações como essa – que tendem a aumentar cada vez mais com a falência das instituições – sempre terão pesadas consequências. Se a população de bem tivesse a possibilidade legal de comprar e portar armas, provavelmente teria havido menos roubos e furtos. Os bandidinhos que aproveitaram para atacar os transeuntes também teriam provavelmente engrossado as estatísticas de mortos, mas é o que se tem quando a terra não tem fé, nem lei, nem rei.