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Dom Moacyr José Vitti

A Declaração da Igreja com as religiões não-cristãs

A Declaração da Igreja com as religiões não-cristãs foi solenemente votada e aprovada pelos padres do Concílio Vaticano II, no dia 28 de outubro de 1995. É interessante reler este documento, à distância de quase 40 anos, e constatar que ele nada perdeu da sua atualidade. Sem dúvida, inspirou os membros da Igreja Católica a vários níveis, para promover relações de respeito e de diálogo com pessoas de outras religiões, e continua construir um ponto de referência sólido para tais relações.

A unidade fundamental da humanidade

"Nostra aetate. Hoje, que o gênero humano se torna cada vez mais unido...". Estas são as palavras de abertura da Declaração. Ao longo da sua história, numerosas nações conhecem uma sociedade étnica cultural e religiosamente pluralista. Neste sentido, as palavras de abertura da Nostra aetate já tinham sido antecipadas. Com efeito, no mundo de hoje existe ainda mais pluralismo. É suficiente observador a elevada porcentagem de muçulmanos presentes nos países da União Européia, mas também de budistas, hindus e sikhs. Sem esquecer os inúmeros trabalhadores cristãos presentes na Península Arábica. Esta presença gera novas questões, que dizem respeito à liberdade religiosa e às exigências legítimas das comunidades religiosas. A Nostra aetate deve ser lida juntamente com outros documentos do Concílio Vaticano II, de forma especial a Declaração sobre a liberdade religiosa Dignitatis humanae, que aborda estas temáticas.

O parágrafo introdutivo da Nostra aetate reflete aquilo que as pessoas têm em comum. Ele faz referência às Sagradas Escrituras para demonstrar que toda a humanidade tem uma única origem, e que o plano salvífico de Deus inclui todos. Esta verdade era uma característica constante do ensinamento do Papa João Paulo II. Para citar um único exemplo, na sua reflexão por ocasião do Dia Mundial de Oração pela Paz, realizada em Assis no dia 27 de outubro de 1986, João Paulo II referiu-se à origem comum e ao destino comum da humanidade, afirmando que no período de transição é necessário "que aprendamos a caminhar juntos, em paz e harmonia"; caso contrário, "tornamo-nos alheios a esta vicissitude, enquanto nos prejudicamos a nós mesmos e aos outros".

Embora se admitam as diferenças, reconhece-se uma unidade de base. Pode-se dizer que deriva da própria natureza da pessoa humana. Todos devem enfrentar as mesmas problemáticas – o significado da vida, o sofrimento e a morte, a verdadeira felicidade – e recorrer às religiões para obter respostas satisfatórias. Essas problemáticas ainda são atuais. O progresso científico não as eliminou, mas talvez tenha acrescentado novas dimensões às questões relativas à dignidade da pessoa humana e ao seu lugar no contexto do universo criado. As pessoas continuam a buscar uma resposta nas religiões? Talvez haja, na nossa época, pessoas que se afastam da religião institucional, ou que desejam fundar uma outra religião, ou religiões, que pareceriam responder melhor às exigências. A mentalidade pós-moderna, com a sua desconfiança em relação às sínteses bem definida, leva à abordagem eclesiástica e sincretista da New Age, onde se tende a haurir contemporaneamente de muitas tradições religiosas. Não obstante as óbvias e graves reservas suscitadas por esta fenomenologia, isto manifesta a sede religiosa do homem contemporâneo.

Diálogo com diferentes religiões

O segundo parágrafo da Nostra aetate discorre sobre várias religiões: as religiões tradicionais, o hinduísmo e o budismo. Nos outros números são abordados os seguidores dessas religiões. Aqui, gostaríamos de chamar novamente a atenção para algumas observações gerais, contidas no documento. O parágrafo termina com uma importante afirmação: "A Igreja Católica nada rejeita do que nessas religiões existe de verdadeiro e santo". Os germes de verdade que elas contêm refletem "um raio de verdade que a todo o homem ilumina", a Verdade de Jesus Cristo, que a Igreja proclama incansavelmente. Vale a pena ressaltar também o segundo dos termos utilizados: "santo". Porém, isto não quer dizer que a Igreja reconhece tais religiões como caminhos alternativos para a salvação. O documento do Concílio Vaticano II afirma com vigor que a Igreja "anuncia e tem mesmo a obrigação de anunciar incessantemente Cristo, "Caminho, Verdade e Vida", através de quem Deus reconciliou o mundo consigo mesmo. Todavia, o concílio afirma também que o Espírito Santo pode orientar as pessoas, segundo estilos que Deus conhece, para que participem no Mistério pascal (cf. Gaudium et spes, 22), que é o único caminho para a salvação. Com efeito, enquanto insiste sobre a unicidade de Jesus Cristo como Deus e Salvador, o documento da Congregação para a doutrina da fé, Dominus Iesus, exorta os teólogos a examinar como as diversas religiões têm um papel a desempenhar no plano da salvação.

A presença simultânea, na Nostra aetate, de um apelo ao diálogo e de um apelo ao anúncio levou necessariamente a uma reflexão acerca da compatibilidade entre estes dois elementos e a missão da Igreja. O Pontifício conselho para o Diálogo Inter-religioso publicou dois documentos sobre este tema: "A atitude da Igreja em relação aos seguidores de outras religiões. Reflexões e orientações sobre o diálogo e a missão" (1984) e "Diálogo e proclamação", promulgado conjuntamente com a Congregação para a Evangelização dos Povos em 1991. O mesmo tema foi abordado pelo Papa João Paulo II, na sua carta encíclica missionária Redemptoris missio, que tira a seguinte conclusão: "O diálogo inter-religioso faz parte da missão evangelizadora da Igreja (...) a luz do plano de salvação, a Igreja não vê um contraste entre o anúncio de Cristo e o diálogo inter-religioso (...) De fato, é necessário que estes dois elementos mantenham o seu vínculo íntimo e, ao mesmo tempo, a sua distinção, pelo que não sejam confundidos, instrumentalizados, nem considerados equivalentes, a ponto de se poderem substituir entre si" (Redemptoris missio, 55). Na sua conclusão, a Nostra aetate encoraja os católicos a fim de que, "com prudência e caridade, pelo diálogo e a colaboração com os sequazes de outras religiões, dando testemunho da vida e fé cristãs, reconheçam, conservem e promovam os bens espirituais e morais e os valores (...) que entre eles se encontram" (n. 2). Poder-se-ia, talvez, indicar o próprio João Paulo II como aquele que seguiu admiravelmente esta indicação, mostrando-se sempre aberto ao diálogo e, ao mesmo tempo, como uma incansável testemunha de Cristo.

Fraternidade universal

A Nostra aetate termina com um parágrafo que contém uma condenação explícita de todas as formas de discriminação. É necessário acrescentar também que, infelizmente, este parágrafo conserva hoje toda a sua atualidade. Registrou-se uma recrudência do anti-semitismo em diversos países da Europa, sob a forma de ataques contra sinagogas ou da deturpação de túmulos hebraicos. Também os muçulmanos foram vítimas de ataques, e nalguns países incendiaram-se várias igrejas cristãs. Onde os líderes religiosos fomentam um conhecimento e uma estima recíproca, foi freqüentemente possível intervir para atenuar a tensão. Este é, sem dúvida, um serviço que o diálogo inter-religioso pode oferecer ao mundo. A Nostra aetate, que encoraja os católicos a comprometerem-se neste diálogo, pode continuar a oferecer-nos inspiração e orientação.

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