A questão levantada hoje no Evangelho diz respeito a um elemento central da religião. Alguns discípulos tomam as refeições "com as mãos impuras", isto é, sem lavá-las e isto provoca a reação dos custódios da lei. A acusação não se refere à negligência sobre normas higiênicas, mas sobre a transgressão de um importante preceito ritual que deve ser cumprido depois que a pessoa está limpa e arrumada. As normas dos chefes são rígidas, severas, não negligenciam nenhum detalhe. Com relação à água que deve ser usada nessas abluções, por exemplo, eles estabeleceram que a mesma é de seis tipos diferentes. Cada pormenor é importante. O desconhecimento destas normas é imperdoável e é fonte de maldição. Cada transgressão é tida como uma infidelidade a Deus e às tradições sagradas. No tempo de Jesus as purificações têm uma importância e um valor religioso muito relevante.
Adquiriram o mesmo valor que os preceitos mais sagrados contidos na Bíblia. Jesus se insere na linha espiritual dos profetas e dos piedosos mestres da vida religiosa do seu tempo, indica a renovação do coração e assume uma posição rígida contra a religião quando reduzida ao cumprimento de um código jurídico. Afirma categoricamente que para Deus não interessam de forma alguma a pureza exterior, os formalismos, as solenes liturgias do templo, as aparências. Da mesma forma que os profetas Ele condena severamente esta "farsa religiosa". "Este povo afirma, citando Isaías me honra com os lábios, mas o seu coração está longe de mim. Em vão me prestam seu culto, ensinando doutrinas que são preceitos dos homens".
"O evangelista Mateus relata outra citação à qual Jesus recorre com frequência durante essas diatribes contra os promotores do culto às tradições: "Ide e aprendei o que significam estas palavras": Eu quero a misericórdia e não o sacrifício"! (Mt 9,13;12,7). No trecho de hoje, todos os que sublimam essas normas são denominados "hipócritas", isto é, pessoas que vestiram a máscara da religiosidade, da obediência, que fingem serem pessoas piedosas, mas que negligenciam o verdadeiro, o único culto agradável a Deus: o amor ao próximo.
Os evangelistas não nos teriam transmitido essas normas austeras palavras do Mestre se não fossem graves e sempre atuais para os discípulos; o perigo da hipocrisia: acobertar com a celebração cuidadosa dos ritos e com a prática de devoções a recusa a aderir à vontade de Deus. O risco de colocar no mesmo patamar a lei de Deus e as tradições dos homens.
A observância fiel de normas claras e bem definidas dá a sensação de ter cumprido o próprio dever, transmite tranquilidade diante de Deus que não pode nos acusar de mais nada e até permite pensar-se estar com crédito junto do Senhor. Construir a própria vida na liberdade dos filhos de Deus, estar permanentemente disponível para o irmão, é mais difícil. As exigências dos homens mudam e aquele que ama deve questionar-se em todos os momentos sobre o que deve fazer, o que é exigido dele, o que Deus espera dele.
Dom Moacyr José Vitti CSS arcebispo metropolitano
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