O evangelho deste dia nos apresenta Jesus que está em Jericó quando inicia a subida para a cidade santa Jerusalém. Com Ele encontram-se os seus discípulos e uma grande multidão. Manifesta um último sinal: cura outro cego. A narrativa deste dia é muito mais do que um fato de crônica. Na intenção do evangelista Marcos, é também uma parábola: a do homem iluminado por Cristo. Jesus cura o cego Bartimeu que representa todas as pessoas.
Aquele que, ou não encontrou ainda Cristo ou não deixou penetrar em seu coração a luz do evangelho, encontra-se numa situação dramática: está sentado, não alimenta nenhum projeto novo, repete sempre os mesmos gestos e os mesmos erros, encontram-se sempre nos mesmos lugares, continua pedindo esmolas; não é autossuficiente (deve mendigar tudo, até o amor), depende dos outros, das coisas, dos acontecimentos. O primeiro passo em direção à cura acontece quando se toma consciência da própria situação, que se constata como indigna do homem, como inaceitável e se toma a decisão de sair da mesma. Bartimeu não se resigna a continuar nas trevas em que está envolvido, não aceita mais a doença que lhe permite sobreviver passivamente de esmolas, não se conforma com a própria situação.
A cura da cegueira espiritual também começa dessa maneira. Tem início uma profunda insatisfação interior, da náusea por uma existência sem rumo e sem ideais. A dependência de determinados hábitos, de certas maneiras de agir sempre mais deletérias, conduz a várias formas de escravidão. "Certo dia Bartimeu sente dentro de si que alguma coisa está para mudar na sua vida: alguém lhe fala sobre Jesus, percebe que está aparecendo uma oportunidade única: pode encontrar-se com o Filho de Davi", pode escutar a sua voz salvadora, pode abrir os olhos. Superam as hesitações e o medo, a perplexidade e o acanhamento. Começa a gritar, pede ajuda, não quer mais permanecer naquela situação. A sua experiência se repete com qualquer pessoa que, sentindo-se insatisfeita pela vida que está levando, procura desesperadamente a luz.
O caminho que conduz a Cristo começa sempre por essa inquietação interior, inquietação que impele a procurar propostas alternativas, a prestar atenção a novas mensagens, a formas de vida diferentes das que estão seguindo. O encontro com aqueles que já seguem o Mestre é o primeiro passo em direção à luz. Antes de chegar a Cristo há o encontro com os discípulos e surgem vários obstáculos a serem superados.
Quando alguém entra em si mesmo e começa se perguntar se tudo aquilo que está fazendo tem sentido, logo encontra barreiras no seu caminho para chegar até Cristo. Os vizinhos, os amigos de farras e orgias, que continuam pelas mesmas trilhas de corrupção, se esforçam para silenciá-los, para desestimulá-los da sua preocupação por problemas religiosos, zombam dos seus sentimentos e das suas angústias, alegando tratar-se de preocupações típicas de mulheres e crianças.
Diante dessas contrariedades o cego não desanima, continua procurando a luz; não sente pejo de sua condição, não procura esconder a sua angústia, continua gritando, pedindo ajuda a quem pode iluminá-lo. Até mesmo seguidores de Cristo podem por vezes tornar-se um obstáculo para os que estão à procura da luz. Há também, em nossos dias cristãos que participam da vida da comunidade, que faz muito barulho acerca de Jesus, que têm a certeza de já possuírem a luz, mas que em verdade ainda estão cegos.
Agem do mesmo modo que os discípulos e as multidões que acompanham Jesus na saída de Jericó: não querem que o "Filho de Davi" se interesse pelos indigentes, pelos necessitados, pelos marginalizados. São cegos, como também são cegas aquelas comunidades que querem silenciar os pobres, gritam que não querem parar para refletir sobre certas situações e para encontrar alguma solução, que não toleram alguém que perturbe a tranquila acomodação. Não aceitam qualquer renovação na Igreja.
Dom Moacyr José Vitti CSS, arcebispo metropolitano