Dizia-se no tempo de Jesus: "Quatro  categorias de pessoas são equiparadas a um morto: o pobre, o leproso, o cego e quem não têm filhos". Os leprosos não podiam aproximar-se das cidades e os lugares onde eles moravam; eram considerados impuros, como os cemitérios. Alguns afirmavam que, se cruzassem com um leproso, atirariam pedras nele e gritariam para ele: "Volta ao teu lugar e não contamines outras pessoas". Todas as doenças eram consideradas um castigo, mas a lepra era o próprio símbolo do pecado. Deus se servia dela para castigar os invejosos, os arrogantes, os ladrões, os assassinos, os responsáveis por falsos juramentos e incestos.

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A cura da lepra era considerada   um milagre, comparável à ressurreição de um morto: só o Senhor poderia realizá-la; mas antes era preciso expiar todos os pecados que a tinham causado. Os leprosos, portanto,  sentiam-se rejeitados por todos: pelos homens e por Deus. Sendo estes os costumes e esta a mentalidade, entende-se o motivo pelo qual os dez leprosos, dos quais nos fala o evangelho de hoje, tenham parado à distância e de longe tenham gritado: "Jesus Mestre, tem piedade de nós". Observe-se bem: não lhe pedem a cura, mas só que tenha compaixão, que se enterneça diante da situação desesperadora em que se encontram. Jesus, ao vê-los, disse: "Ide e apresentai-vos aos sacerdotes"

A lei estabelecia que, quem ficar curado desta doença, se apresente ao sacerdote. Este, depois das devidas verificações, decidia readimitíl-o na comunidade. Os dez leprosos, então, partem, e, ao longo do caminho, percebem que estão curados. Há alguma coisa de especial neste milagre: a cura não acontece imediatamente. A lepra desaparece depois, quando estão andando pela estrada. Antes de tudo, observemos que não se trata de um leproso, mas de dez. Este número na Bíblia tem um significado simbólico: indica a totalidade. Os dez leprosos, portanto, representam todo um povo: Israel ou a humanidade inteira.

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A lepra é o símbolo da condição de pecado, da miséria humana, da situação de distanciamento de Deus e dos irmãos. O evangelista Lucas quer nos ensinar que todos precisam encontrar Jesus. Ninguém é justo, ninguém está sem lepra: todos estão à procura da salvação do Senhor. Esta doença une judeus e samaritanos, isto é, une pessoas que, quando gozam de boa saúde, se consideram inimigas irreconciliáveis. A desgraça e a dor as tornam amigas e solidárias. Algo semelhante acontece conosco. Quando nos sentimos justos, perfeitos, começamos a levantar barreiras: colocamos os bons do nosso lado e os impuros do outro; exigimos que os pecadores mantivessem distância, não queremos ficar contaminados.

Quando, ao invés, consideramos com sinceridade a nossa condição de leprosos, de pecadores diante de Deus, então não nos sentimos mais superiores  a ninguém, não condenamos, não julgamos, não excluímos. Reconhecemo-nos como irmãos de todos os homens convivendo uns com os outros, nos amparamos reciprocamente ao longo do caminho que conduz até aquele que pode curar. Os dez leprosos não buscam a salvação individualmente. Vão à procura de Jesus em conjunto.

A oração deles é comunitária: "Jesus Mestre, tu que compreendes a nossa situação, tem compaixão de nós". É assim que nós rezamos? Sentimo-nos solidários com todos os homens ou pensamos ainda na "salvação da nossa alma"? Ainda estamos preocupados em "acumular méritos para nós mesmos? Entendemos que, nem mesmo no paraíso, poderemos ser felizes enquanto até o último dos homens não tenha sido libertado da "lepra"?

Dom Moacyr José Vitti CSS é arcebispo metropolitano.

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