Todos os evangelistas de­­dicam um espaço muito amplo para a narrativa da paixão e morte de Je­­sus. O roteiro que seguem os fa­­tos são fundamentalmente os mesmos, embora narrados numa forma e perspectivas diferentes. Cada evangelista, po­­rém, apresenta alguns episódios, alguns pormenores, al­­guns tópicos, exclusivos de cada um. Estes revelam a própria preocupação e os próprios objetivos por alguns temas de catequese, temas que, evidentemente, cada qual julga significativos e urgentes para suas respectivas comunidades.

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A versão da narrativa da paixão que nos é proposta, hoje,  é a de Lucas. No seu evangelho, Lucas não perde nenhuma oportunidade para destacar a bondade e a misericórdia de Jesus. Ao narrar a paixão também ressalta este aspecto. Se alguém, durante a noite, invadisse a nossa casa para roubar ou para causar qualquer dano,  a nós ou a nossos filhos, muitos estariam dispostos, se necessário, a fazer uso de uma arma para defender-se. E se durante a luta, eventualmente, um dos assaltantes ficasse ferido, provavelmente levaria uma lição para nunca ser esquecida: seria moído de pancadas! Esta reação é espontânea, compreensível e, sob o ponto de vista humano, até justificável; tanto isso é verdade que, no jardim das Oliveiras, os Apóstolos a puseram em prática.

Com o objetivo de impedir a injustiça, a opressão, à violência, a primeira atitude que tomaram foi recorrer à espada. A frase: "Senhor, devemos golpear com a espada?", no texto original, em verdade, não é referida como uma pergunta, mas como uma decisão: "Senhor, agora nós atacaremos com a espada" e de fato, sem esperar a opinião do Mestre, um deles entra em ação e corta a orelha direita do servo do sumo sacerdote. Jesus intervém e censura severamente Pedro por seu gesto precipitado. Em seguida e este pormenor só nos é relatado por Lucas preocupa-se com o ferido e o cura (Lc 22,51).

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A mensagem deste gesto é transparente: o discípulo não só não pode agredir ninguém, mas tem de estar sempre disposto a curar as feridas provocadas pelos outros. Cura até quem lhe causou o mal e que talvez ainda queira prejudicá-lo. O cristão "tem adversário", pois, como o Mestre deve enfrentar, e às vezes duramente, aqueles que deformam o rosto de Deus, aqueles que propõem projetos humanos e sociais inaceitáveis. O cristão, porém, não tem "inimigo".

O inimigo é aquele que tem que ser destruído, esmagado, humilhado, eliminado. O adversário não deve ser aniquilado, mas deve poder encontrar apoio para crescer como pessoa, para poder libertar-se das suas escravidões. As armas são usadas por quem tem inimigos que devem ser derrotados, não por quem a única missão de transformar os "adversários" em irmãos. Diante da cruz do justo que morre, temos de optar: ou pelo lado dos que dão sua vida para viver e fazer viver o amor de Deus, ou pelo lado dos que dão as mãos para suprimir a justiça; lado de quem carrega a cruz ou de quem a impõe.

Dom Moacyr José Vitti CSS, arcebispo metropolitano