Na primeira Encíclica do Papa Bento XVI, ele fala sobre o amor com que Deus nos cumula e que deve ser comunicado aos outros por nós. São duas grandes partes que compõem a carta. A primeira tem uma índole mais especulativa: especifica alguns dados essenciais sobre o amor que Deus oferece de modo misterioso e gratuito à pessoa humana, juntamente com o nexo intrínseco daquele amor com a realidade do amor humano. A segunda parte tem um caráter mais concreto porque trata da prática eclesial do mandamento do amor ao próximo. O amor de Deus por nós é questão fundamental para a vida e coloca questões decisivas sobre quem é Deus e quem somos nós. Uma questão tratada na Encíclica é se a mensagem sobre o amor, anunciada pela Bíblia e pela Tradição da Igreja, teria algo a ver com a experiência humana comum do amor ou se, pelo contrário, se opusesse a ela.

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A este respeito há duas palavras fundamentais: "eros" como termo para significar o amor "mundano" e "ágape" como expressão do amor fundado sobre a fé e por ela plasmado. As duas concepções aparecem freqüentemente contrapostas como amor "ascendente" e amor "descendente", amor possessivo e amor oblativo. Na realidade, "eros" e "ágape" – amor ascendente e descendente – nunca se deixam separar completamente um do outro. No fundo, o "amor" é uma única realidade, embora com distintas dimensões. Caso a caso, pode uma ou outra dimensão sobressair mais. O "eros" de Deus pela pessoa humana, é ao mesmo tempo, totalmente "ágape". O amor apaixonado de Deus pela pessoa humana, é, também ao mesmo tempo, um amor que perdoa. Depois de refletir sobre a essência da amor, o Papa faz uma dupla pergunta: "é realmente possível amar a Deus, mesmo sem o ver?". E a outra: "o amor pode ser mandado?".

A primeira Carta de São João Evangelista, versículo 20, afirma: "Se alguém disser: "Eu amo a Deus, mas odiar o seu irmão, é mentiroso, pois que não ama seu irmão ao qual vê, como pode amar a Deus, se não vê?". Nesta carta de João, destaca o nexo indivisível entre o amor a Deus e o amor ao próximo: um exige estreitamente o outro que a afirmação do amor a Deus se torna mentira, se a pessoa humana se fechar ao próximo. O citado texto de João deve, antes, ser interpretado no sentido de que o amor ao próximo é uma estrada para encontrar também a Deus, e que o fechar os olhos diante do próximo, torna cegos também diante de Deus. Toda a atividade da Igreja é a manifestação de um amor que procura o bem integral da pessoa humana: procura a sua evangelização por meio da palavra e dos sacramentos, empreendimento esse, muitas vezes, heróico nas suas realizações históricas. Procura a sua promoção nos vários âmbitos da vida e da atividade humana. Portanto, é o amor o serviço que a Igreja exerce para acorrer constantemente aos sofrimentos e às necessidades, mesmo materiais, dos homens. "Deus é Amor". A fé que toma consciência do amor de Deus revelado no coração de Jesus na cruz, suscita, por sua vez, o amor. Aquele amor divino é a luz, fundamentalmente, a única, que ilumina incessantemente um mundo às escuras e nos dá coragem de viver e agir. O amor é possível e nós somos capazes de praticá-lo, porque fomos criados "à imagem e semelhança de Deus". Viver o amor é, deste modo, fazer entrar a luz de Deus no mundo: tal é o convite que o Papa nos faz com a presente Encíclica.

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Dom Moacyr José Vitti CSS é arcebispo metropolitano.